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Covid19 – justificativa para inadimplente

Como justificar o atraso na pandemia por falta de matéria prima?

É importante relatar que, sob o ponto de vista jurídico-contratual e em relação a inadimplementos por parte da contratada, a pandemia passou por duas fases distintas:

– “Primeira onda”, a partir do dia 20/03/2020; e
– “Segunda onda”, no início de 2021.

“A nova onda não chegou apenas aumentando os números da doença, mas também elevando o número de mortos e colapsando o sistema de saúde em vários locais do Brasil” (https://brasilescola.uol.com.br/doencas/segunda-onda-de-covid-19-no-brasil.htm).

E, ainda, a segunda onda somente começou a reduzir seus efeitos em novembro de 2021(FGV/IBRE, Boletim Macro IBRE. Janeiro 2022, nº 127: “(…) À medida em que houve aumento da mobilidade, foi observada uma retomada forte da demanda por serviços, com destaque para aqueles prestados às famílias, que cresceram mais de 60%, entre abril e novembro de 2021, quando houve o arrefecimento da segunda onda da pandemia”).

É bem verdade que, para alguns setores, existem efeitos negativos continuados da Pandemia. Para outros, não. Há setores que tiveram crescimento durante a Pandemia, a exemplo de alguns fabricantes ou distribuidores de insumos médico-hospitalares.

A depender de cada caso, os efeitos negativos da Pandemia estenderam-se de Março/2020 (primeira onda do COVID19) até o final do primeiro semestre de 2021 (segunda onda). E, em casos específicos de empresas que dependem de insumos eletrônicos e de importações, os efeitos da Pandemia ainda são notados mesmo no início de 2023 (a China – maior hub de produção do mundo – ainda mantém lockdown em áreas específicas do país, paralisando várias regiões produtoras). No que se refere aos produtos eletrônicos, há uma crise de abastecimento de produtos dependentes de semicondutores (a escassez foi inicialmente causada pela Pandemia e, posteriormente, agravada pelo potencial conflito entre China e Taiwan). Também as importações foram, e continuam sendo, impactadas pela Pandemia, sobretudo nos casos em que o transporte marítimo internacional é necessário para a chegada do produto estrangeiro em solo brasileiro. Desde o início da Pandemia houve um acréscimo substancial no valor do frete marítimo; escassez de contêineres; aumento do valor de serviços relacionados ao comércio internacional; congestionamento de terminais; fila de espera de navios; falta de mão de obra etc.; todos estes motivos relacionados à Pandemia.

Com relação específica à consulta – como justificar o atraso na pandemia, por falta de matéria prima? – informo que, para evitar sanções administrativas advindas do inadimplemento contratual, será necessário demonstrar, por meio de provas: a exemplo de e-mail, notas fiscais, contratos rescindidos, pedidos de fornecimento não cumpridos etc.; que a Pandemia foi o motivador da inadimplência. E mais: será preciso comprovar que não havia, naquele momento, alternativa viável para suprir o atraso do fornecedor.

Se for demonstrado que o fornecimento não poderia ter sido atendido, por meio de prova concreta (de preferência documental) de que o fabricante não possuía o insumo e de que, ao buscar alternativa no mercado, a escassez do produto também se fazia presente em outros fabricantes, sua empresa terá comprovado o obstáculo intransponível causado por “força maior” e, portanto, terá elementos fáticos e jurídicos para defender-se de uma eventual aplicação de penalidade. Sobre força maior, o Código Civil assim estabeleceu: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. (g.n.)

Inegável que o COVID-19 instaurou crise mundial ao submeter praticamente todos os países do mundo aos efeitos nocivos do vírus.

No Brasil o primeiro sinal de reação ao COVID 19 foi a promulgação da Lei federal nº 13.979 em 6 de fevereiro de 2020. Portanto, antes mesmo do Carnaval (que foi celebrado entre 22 e 26 de fevereiro/2020) já se sabia das medidas de isolamento, restrição de locomoção e quarentena.

Mas foi em 20 de março de 2020 que o cenário ficou preocupante. Foi nesta data que o Congresso Nacional reconheceu o Estado de Calamidade Pública, mediante a edição do Decreto Legislativo nº 6/2020.

Tendo o Decreto Legislativo reconhecido o estado de calamidade pública, qualquer condição de cumprimento de obrigações pactuadas antes de 20 de março de 2020, tornaram-se suscetíveis a obstáculos intransponíveis em razão de força maior, como é o caso do COVID-19.

O tema calamidade pública já foi objeto de discussão no âmbito do STF, merecendo destaque o julgamento da ADI 4.048, assim ementada:

“III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea ‘d’, da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões ‘guerra’, ‘comoção interna’ e ‘calamidade pública’ constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea ‘d’, da Constituição. ‘Guerra’, ‘comoção interna’ e ‘calamidade pública’ são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias.” (g.n.)

A Ministra Carmen Lúcia, no julgamento da mesma ADI 4.048, asseverou:

“ … a IMPREVISIBILIDADE é aquilo que não pode ser cogitado pelo administrador público, porque surge de uma maneira arriscada, fora do ordinário.” (g.n.)

A situação de IMPREVISIBILIDADE COMPROVADA, mediante o reconhecimento do ESTADO DE CALAMIDADE e as circunstâncias intransponíveis impostas ao contratado, impactaram no cumprimento do contrato e, ainda, na exequibilidade do preço ajustado, uma vez que um dos efeitos da Pandemia foi o expressivo aumento de preços a partir de Março/2020.

 

Publicado em 12 de janeiro de 2023

(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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