Os governos Lula e Dilma navegaram e navegam índices muito altos de aprovação, folgada maioria no Congresso, sempre dispuseram de recursos orçamentários abundantes, grande simpatia internacional, beneficiaram-se de confortável estabilidade econômica e de vultosos investimentos externos. À oposição, que não dispõe de nenhum desses recursos, não pode, pois, ser imputada a responsabilidade para impedir ou dificultar a ação do governo. É preciso, então, buscar dentro do aparato de governo as causas e razões para os impasses causados por suas próprias decisões. É dessa contradição que decorre o uso crescente de mais recursos para produzir menos, o sinal mais evidente da exaustão.
O modelo vigente desde 2003 tem no Estado a sua âncora política e econômica diante do mercado; o seu recurso estratégico único para empregar a militância e compor maioria legislativa; para a cooptação de empresários fornecedores do setor público; para influir sobre os meios de comunicação; e para a reprodução eleitoral do seu poder político. O Estado, então, é a força e a fraqueza do modelo. A força dispensa demonstração. A fraqueza escondida se revela quando é franqueado o limite a partir do qual o uso dos poderes do Estado perde sua funcionalidade e a razão para legitimar sua hegemonia diante da sociedade. Acredito que já estejamos dentro desse limite.
São indicadores dessa situação a reduzida capacidade resolutiva do governo para realizar os projetos que anuncia; a “perversa” dinâmica em que os maiores problemas de hoje resultam dos projetos de alta popularidade de ontem; o fato de que os segmentos sociais recém-beneficiados com novas pautas de consumo são frustrados pelas deficiências de infraestrutura, serviços básicos de saúde e educação; e a persistência da violência, criminalidade e impunidade em altos níveis.
São os novos motoristas prejudicados no uso do carro por engarrafamentos, estradas precárias e perigosas e falta de estacionamentos; os novos alunos para universidades sem condições físicas de recebê-los; o parque industrial moderno sem a mão de obra qualificada de que depende; e o novo Estado crescentemente paralisado por critérios político-partidários de recrutamento e promoção e pelo desprezo por critérios de mérito e desempenho.
Nada mais emblemático dessa condição de corrida rumo à exaustão do que a própria incapacidade de gastar. Matéria recentemente publicada mostrou que três Ministérios principais responsáveis por obras de infraestrutura – Transportes, Integração e Cidades – só investiram 14,9% do Orçamento (R$ 33 bilhões) até maio de 2012. O recurso existe, está no Orçamento, a decisão de usá-lo já foi tomada, a licitação já foi adjudicada, as obras já foram cronogramadas, mas os resultados não aparecem, as inaugurações não ocorrem. Para substituí-las, o governo anuncia novas decisões, novos programas e novos benefícios. Intenções substituem realizações. A causa dessa situação de esgotamento é a forma de operação do modelo político vigente.
Tais distorções resultam de alguns pressupostos operacionais que, no curto prazo, produzem resultados, mas no médio prazo provocam contradições internas que o incapacitam. Esses pressupostos talvez sejam:
*a convicção de que os poderes estatais são os instrumentos mais eficientes para organizar todos os setores da vida social;
*o imperativo da centralização administrativa do planejamento, decisão e execução;
*e o suposto da abundância de recursos para sustentar a política do sim e o critério partidário para funções administrativas.
O preço a pagar por essas escolhas são uma crescente incapacidade administrativa; a escalada da incompetência e da corrupção; e a falta de resolutividade nas ações de governo. Tais limitações, a princípio, não são percebidas pela população, mas, quando provocarem “externalidades” na vida das pessoas comuns, abalarão a confiança e o apoio irrestrito ao governo, a solidez do modelo e, no limite, a continuidade do ciclo que inaugurara.
Essa não é uma situação que se escolha ou se evite. Ela é uma decorrência inafastável e incorrigível de um modelo político que tem na hegemonia do Estado sobre a sociedade seu objetivo, sua fonte de recursos, seu método de ação e sua instrumentalidade.
Por: Francisco Ferraz
(Fonte: Estadão)
* PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA NA UFRGS, PÓS-GRADUADO PELA UNIVERSIDADE DE PRINCETON, É DIRETOR PRESIDENTE DO SITE POLÍTICA PARA POLÍTICOS (WWW.POLITICAPARAPOLITICOS.COM.BR)