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Órgão de assessoramento jurídico e advocacia pública

A Lei nº 14.133/2021 enumera vários conceitos ao longo dos 60 incisos que compõem o artigo 6º. Há, inegavelmente, cautela e interesse por parte do legislador em exaurir as possíveis acepções terminológicas que são utilizadas no curso da lei.

Apesar disso, embora empregado com substancial frequência, não consta em nenhum dos incisos do aludido artigo 6º qualquer referência ao termo “órgão de assessoramento jurídico”, cabendo à doutrina, portanto, explicitar a definição da pretensão legislativa nesse exato sentido, subtraindo, por intervenção de uma interpretação sistemática, o porquê da nomenclatura adotada.

A despeito da inexistência de uma definição sobre “órgão de assessoramento jurídico”, o artigo 6º, I, descreve órgão como sendo “a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração Pública”. Em outras palavras, “órgão público é a unidade dentro de uma estrutura administrativa que concentra certas atribuições a serem exercidas por agentes públicos que o integram, expressando, assim, a vontade do Estado” [1].

O significado de “órgão”, utilizado na Lei nº 14.133/2021, não é inteiramente satisfatório para entender as nuances contidas na definição que o legislador, intencionalmente, usou em várias passagens do texto normativo, agregando uma especificidade que contempla uma distintiva e peculiar atribuição funcional: assessorar juridicamente.

Logo, o entrosamento compreensivo sobre o sentido do vocábulo decorrerá bem mais de uma perspectiva holística, à proporção que as funções administrativas que lhes são típicas, definidas na própria lei (a exemplo do artigo 53), são desvendadas. Em vista disso, a acepção será decodificada e não previamente expressa, tal como ocorre no decorrer das numerosas referências terminológicas transcritas nos sessenta incisos do artigo 6º da lei.

Digno de nota, contudo, que o órgão de assessoramento jurídico não necessariamente coincide com a advocacia pública. Isso porque nem sempre este mesmo órgão será estruturado em carreira, como sói ocorrer com a advocacia pública. Logo, por não rotular o papel exercido pela assessoria jurídica como sendo ínsito, impreterivelmente, à advocacia pública, o legislador confessou que, em algumas circunstâncias, não há clara e inequívoca coincidência.

Em outra senda — não confrontante à nomenclatura “órgão de assessoramento jurídico” — o legislador empregou, por exemplo, o termo “unidade de assessoramento jurídico”. É o que ocorre, a título de exemplo, quando se refere ao exercício do controle das contratações públicas, nos termos do inciso II do artigo 169 da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Há, claramente, uma manifesta intenção normativa referente à nomenclatura das expressões utilizadas ao longo da lei, não tendo sido, ao que parece, propósito do legislador limitar o órgão de assessoramento jurídico às Procuradorias organizadas em carreira.

Isso porque nem todos os entes federativos, bem assim autarquias e fundações públicas de Direito Público, possuem Procuradorias próprias. Significativa parte dos municípios brasileiros sequer possui procuradores aprovados por meio de concurso público de provas ou provas e títulos, conforme disposição do inciso II do artigo 37 da Constituição de 1988.

As Procuradorias integram a Advocacia Pública e têm assento constitucional. Não há, na Constituição de 1988, qualquer menção ao termo utilizado na Lei nº 14.133/2021 — órgão de assessoramento jurídico. Todavia, a Carta Maior faz referência à Advocacia Pública, nos âmbitos federal, estadual e distrital.

Logo, nem todo assessoramento jurídico é realizado por uma Procuradoria, órgão pertencente à Administração Pública, mas com carreira previamente definida e com atribuições próprias. A Lei nº 14.133/2021 faz referência a órgão de assessoramento jurídico, que é diverso, portanto, de Procuradoria.

Custa definir, por outro soslaio, se o órgão de assessoramento jurídico pode ser qualificado, unicamente em decorrência de sua existência, como parte integrante da advocacia pública.

Ao que parece, a resposta deve ser negativa, na medida em que a qualificação da advocacia pública perpassa, necessariamente, tão somente a existência de um órgão, possuindo uma qualificação mais contundente, que demanda a existência de uma carreira, com funções preestabelecidas, formada por servidores públicos usualmente agregados ao seio da Administração Pública através do referido concurso de provas ou de provas e títulos.

À guisa de considerações finais, para a existência de um cenário ideal, deveria haver uma correspondência fidedigna entre Advocacia Pública e órgão de assessoramento jurídico. Todavia, à míngua da presença de Advocacia Pública (no sentido estrito do termo, conforme previsão constitucional contida nos artigos 131 e 132) em todas as entidades licitantes, é factível afirmar que, funestamente, a assessoria jurídica no processo de contratação pública, em toda e qualquer fase, poderá ter origem, até mesmo, em opiniões de particulares (advogados contratados pela gestão temporária da Administração Pública contratante), o que afeta, dentre tantos outros, o princípio da impessoalidade.

[1] HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei nº 14.133/2021. Salvador: JusPODIVM. 2021, p. 37

Por: Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração, sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

(Fonte: Conjur)

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