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Nem tudo é inovação no PL da Improbidade

Conforme noticiado pela ConJur, a Câmara dos Deputados aprovou no início deste mês o Projeto de Lei nº 2.505/2021, que altera a Lei de Improbidade Administrativa.

Há muito tempo, a doutrina do Direito Administrativo reconhece que a Lei de Improbidade merece ser reformada [1]. Mesmo havendo controvérsia sobre como endereçar o problema [2], o entendimento geral é de que as previsões genéricas da lei causam insegurança jurídica e prejudicam a boa atuação do administrador e do particular.

Finalmente, o legislador se dedicou à questão e deu novo tratamento legislativo à matéria.

Mas a reação ao texto aprovado pelo Congresso foi imediata e incendiária. Segundo os veículos de imprensa, a reforma “afrouxa” e “fragiliza” a Lei de Improbidade ao introduzir dispositivos que supostamente favorecem a impunidade e ao dispensar outros, que alegadamente fortalecem o combate à corrupção — tudo isso fruto do “instinto de autopreservação” da classe política.

Ocorre que algumas mudanças significativas introduzidas pela reforma refletem apenas e tão somente a evolução jurisprudencial do assunto, sendo resultado de reflexões cuidadosas e acertadas em relação aos problemas enfrentados pelo Poder Judiciário na solução de casos concretos.

Vejamos três exemplos relevantes, relacionados especificamente aos limites das sanções impostas aos condenados por ato de improbidade:

A) Limite temporal da sanção de proibição de contratar com o poder público. Se aprovada a reforma, as sanções previstas na lei “somente poderão ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória”, nos termos do artigo 12, §9º.

Mas, para parte da doutrina [3], a interpretação sistemática da Lei de Improbidade já impõe a conclusão de que as sanções só se efetivam com o trânsito em julgado da decisão, por aplicação analógica do vigente artigo 20, relacionado à perda de função pública. No mesmo sentido, há inúmeros julgados dos tribunais brasileiros reconhecendo a necessidade de trânsito em julgado para que seja aplicada a sanção de proibição de contratação do poder público, em atenção à presunção de inocência aplicada aos processos penais [4].

A limitação temporal tem como premissa o fato de que a eventual execução provisória da proibição de contratar com o poder público poderia acarretar prejuízo irreversível ao sancionado, consubstanciado na “morte civil da empresa”. Considerando a gravidade e a irreversibilidade da pena, portanto, já se entende que, além das penas previstas no artigo 20, também a proibição de contratar só se efetiva com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

B) Limite institucional da sanção de proibição de contratar com o poder público. O artigo 12, §4º, do texto aprovado prevê que a proibição de contratar somente poderá extrapolar o ente público lesado pelo ato de improbidade em caráter excepcional e por motivos justificados, tornando regra a chamada “limitação institucional”.

A reforma está em consonância com inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça que dão interpretação restritiva ao texto vigente para delimitar a sanção nesse sentido (EDcl no REsp nº 1.021.851/SP; REsp nº 1.003.179/RO; AgInt no REsp nº 1.589.661/SP). Assim não poderia deixar de ser, já que a proibição de contratar com toda a Administração Pública, direta e indireta, em todas as três esferas federativas, inviabiliza a atividade empresarial de muitos setores, contraria a finalidade da lei e afronta a razoabilidade.

Na mesma direção, Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza já manifestaram o entendimento de que as penas de proibição de contratar ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios “devem guardar conexão com o ato de improbidade verificado no caso concreto, não indo além do âmbito territorial em que verificado o ato e no qual tenha se circunscrito o dano causado” [5] — evidenciando o acerto da revisão legislativa.

C) Limite quantitativo da sanção de ressarcimento do dano patrimonial. A nova redação do caput do artigo 10 prevê que a perda patrimonial deve ser efetiva e comprovada para a caracterização do ato de improbidade, enquanto o §1º dispõe que “nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento”. Além disso, a reparação do dano deverá deduzir o ressarcimento ocorrido em outras instâncias (artigo 12, § 6º), a condenação ocorrerá no limite dos benefícios diretos (artigo 17-C, § 2º) e, para fins de apuração, deverão ser descontados os serviços efetivamente prestados (artigo 18, §3º).

Nesse ponto, o texto apenas explicita o que a interpretação sistemática de diversos dispositivos legais do ordenamento jurídico já apontava: a condenação à pena de ressarcimento depende da efetiva ocorrência e da comprovação de dano, sob pena de enriquecimento ilícito do destinatário dos recursos. Não é outra a exegese conjunta do vigente artigo 21 da Lei de Improbidade, do artigo 59 da Lei de Licitações e do artigo 884 do Código Civil, conforme atestado pelo STJ (REsp nº 1.113.843/PR; REsp nº 1.366.694/MG).

Mas a prática forense revela que não é rara a condenação fundamentada em dano hipotético ou presumido, sem efetiva comprovação de sobrepreço ou superfaturamento, por exemplo, em casos envolvendo dispensa ou inexigibilidade de licitação. Do mesmo modo, há vários exemplos de condenações ao ressarcimento do valor integral de uma contratação, mesmo quando o objeto foi entregue ou o serviço, efetivamente prestado — o que evidencia a necessidade e a adequação da reforma.

Como se vê na análise de três exemplos, elementos significativos da reforma não configuram ato de “autopreservação” da classe política para fragilizar a lei ou o combate à corrupção. Ao contrário, apenas consolidam entendimentos cuidadosos e acertados, para que esses sejam observados por todos os aplicadores do direito.

O mesmo se observa em relação a outras disposições do novo texto, que buscam aprimorar a aplicação de princípios, imprimir racionalidade ao trâmite da ação de improbidade e afastar condenações fundadas em elementos meramente hipotéticos ou presumidos, entre outras preocupações legítimas.

Nesse sentido, a reforma legislativa chega em boa hora para tentar coibir o exercício irracional do controle e, assim, abrandar o vigente “Direito Administrativo do medo”.

Agora, aguarda-se a sanção presidencial e espera-se que a reação incendiária à reforma não impeça a consolidação de avanços. Afinal, basta uma análise serena para perceber que nem tudo é inovação no PL da Improbidade.

(Fonte: Conjur)

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