Gazeta Online: Ouvimos especialistas que mostram por que os contratos no país abrem espaço para tantos desvios
Denúncias de superfaturamento em obras rodoviárias levaram à queda de um ministro. Outros 27 cargos de confiança do governo, em efeito dominó, foram exonerados. No Espírito Santo, a duplicação de uma rodovia – a BR-262 – foi revelada como a mais cara obra pública sem concorrência do Brasil. A crise no Ministérios dos Transportes e suas consequências no Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) trouxeram à tona dúvidas e interpretações de todo tipo acerca das intervenções contratadas pelo poder público país afora. No centro de tudo isso, obras que foram iniciadas com processos licitatórios e que colocam em xeque a eficácia e a aplicabilidade da Lei 8666/93, a chamada “Lei das Licitações”.
Especialistas ouvidos por A GAZETA são unânimes em afirmar que a legislação em vigor há 18 anos não deixa a desejar – pelo menos não a ponto de ser apontada como causa de todo o escândalo que respingou na base de apoio da presidente Dilma Rousseff (PT) no Senado. Por causa da “faxina” na pasta dos Transportes, o Partido da República (PR) anunciou ontem que deixou o bloco governista na Casa e que, a partir de agora, se posicionará de forma “crítica” em relação ao governo. Na opinião do procurador-geral do Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, o “x” da questão mora dentro da própria administração.
“Todas as licitações são combinadas. É impossível tratar os políticos sem enxergá-los como corruptos incorrigíveis. Todos os contratos administrativos envolvem muito dinheiro, e onde tem dinheiro tem gente de olho. É assim que surgem as fraudes”, criticou Furtado.
Opinião semelhante tem o doutor em Direito e professor universitário Adriano Sant?ana Pedra. Apesar de menos pessimista que Furtado, ele também aponta para a participação de servidores do governo como a peça-chave para a ocorrência de esquemas de corrupção. “A lei não é fraca e está bem fundamentada, mas estamos lidando com um terreno propício a transgressões. Em razão do grande volume de dinheiro envolvido nas licitações, pessoas interessadas em lucros indevidos são atraídas. Se fosse para lucrar pouco, ninguém se arriscaria”, considerou.
BRECHAS NA LEI
De acordo com os especialistas, um dos pontos que servem de abertura aos esquemas fraudulentos – que vão desde superfaturamento à cobrança de propina – está nos casos em que há dispensa de concorrência. Pelo que está previsto na Lei das Licitações, esses itens abrangem, por exemplo, a aquisição de itens que só possam ser fornecidos por um fornecedor no mercado local ou, ainda, para a contratação de apresentação cultural ou artista, “desde que consagrado pela crítica especializada”, conforme o texto.
“Não há tantas brechas na Lei das Licitações, e a grande questão é a esperteza das pessoas. Pode ocorrer por um conluio entre fornecedores e servidores públicos que atuam no processo licitatório, o que dificulta ainda mais a detecção da fraude. Quando se contrata um artista, por exemplo, não se faz uma licitação porque artista não tem concorrência similar, como no caso de materiais”, pontuou o procurador-geral do Ministério Público Especial de Contas, Domingos Taufner.
Na visão do procurador da República Fabrício Caser, do Ministério Público Federal (MPF), a Lei das Licitações deve ser aperfeiçoada constantemente à medida que novas práticas criminosas surgem. “Há alguns pontos que deveriam estar mais claros e creio também que deveria haver punição maior. Dificilmente o réu é condenado à pena máxima”, destacou Caser. No próprio texto da Lei das Licitações, estão previstas as punições: fraudes com prejuízo aos cofres públicos, por exemplo, podem dar ao infrator de três a seis anos de detenção. A contratação de empresa inidônea pode levar o agente público a até dois anos de cadeia.