Procuradores encontram falhas em negócio de subsidiária da Petrobras em Araçatuba
Lançado pela Transpetro em 2010 como solução logística para o setor sucroalcooleiro paulista, a construção de 20 comboios de barcaças para transporte de etanol pela Hidrovia Tietê-Paraná pode se tornar uma dor de cabeça para a estatal. Antes uma possível imagem para as propagandas eleitorais dos políticos da base governista, as barcaças contratadas pelo Programa de Modernização e Expansão da Frota por 239 milhões de dólares nunca foram entregues e agora são investigadas por uma força-tarefa do Ministério Público Federal de Araçatuba e devem entrar na mira da Operação Lava Jato. Enquanto os procuradores tentam provar a improbidade praticada no possível direcionamento da licitação, os investigadores da Lava Jato querem descobrir se no caso existe rastro de desvios de conduta praticados pelo grupo político de Renan Calheiros e de seu apadrinhado Sérgio Machado, presidente da Transpetro.
Em Araçatuba, o trabalho está quase no fim. No inquérito civil, o procurador Paulo de Tarso Astolphi reuniu uma série de indícios de direcionamento do certame para o consórcio Estaleiro Rio Tietê, formado pelas empresas SS Administração e Serviços, Estaleiro Rio Maguari e Estre Petróleo e Gás. Por sua vez, na Lava Jato o objetivo das investigações é descobrir os pormenores de possíveis negociatas entre diretores das empreiteiras, funcionários da Petrobras e políticos que foram intermediadas por Paulo Roberto da Costa e Alberto Youssef, este último o mais novo delator da praça. No caso da Transpetro, os investigadores sabem de fatos importantes do passado de Machado. Na estatal desde o primeiro ano do governo Lula, o ex-senador pelo PMDB do Ceará não é figura desconhecida dos grandes escândalos nacionais. Sua estreia ocorreu durante a Operação Castelo de Areia. “Dentre os documentos, o manuscrito constante de fls. 1179 do Apenso XIX indica um suposto pagamento no valor de 291 mil à pessoa de Sérgio Machado, identificado como sendo presidente da Transpetro, indicado pela sigla SM”, diz o MPF sobre papel apreendido.
Embora as provas da Castelo de Areia estejam invalidadas, enquanto aguardam resultado de um recurso especial no STF interposto pela Procuradoria-Geral da República, o fato é que os documentos apontam para contas no exterior, onde a propina teria sido distribuída. Diz o relatório do MPF: “Os pagamentos parcelados acima referidos, no valor de 492 mil dólares, cada parcela, e sob o formato de típica doação financeira, foram realizados por meio de transferência internacional, e da Conta 490005, da Banca Privada de Andorra, em benefício da conta 2101459, no HSBC Private Bank Zurich, Swift Blicchgg, tendo como beneficiário a empresa Jaravy Investments Inc”.
Como não podem utilizar essas provas, os investigadores do Paraná buscam entender o material coletado até agora na Lava Jato para conseguir alcançar o caminho do dinheiro e miram todos os contratos com possíveis digitais de Costa. Nos documentos, as autoridades encontraram detalhes da relação do ex-diretor com o presidente da estatal. Mesmo após sair da Petrobras, Costa teria se encontrado com Machado algumas vezes e anotou o nome do ex-senador quatro vezes em suas agendas dos anos de 2012 e 2013. “Curso c/ Sérgio Machado, 5%”, aparece em uma das agendas ao lado do valor 5 mil reais. As dúvidas sobre as citações nos documentos apreendidos são esclarecidas nos depoimentos dos delatores. Costa teria explicado a relação que mantinha com Machado e sua participação nos contratos da Transpetro. Por sua vez, Youssef deverá revelar os meandros da estrutura financeira supostamente utilizada na distribuição e lavagem do dinheiro da propina.
O caso das barcaças encomendadas ao consórcio ERT é um dos que serão analisados nos processos sob a tutela do juiz federal Sérgio Moro. Além de não conseguir explicações sobre o atraso na entrega, os procuradores de Araçatuba desconfiam da seguinte sequência de fatos. Em dezembro de 2008, Carlos Farias, presidente da Cooperhidro, Cooperativa do Polo Hidroviário de Araçatuba, reuniu-se na Transpetro para tratar do tema barcaças. Em fevereiro de 2010, um mês antes da autorização da licitação, a Cooperhidro arrendou a área onde hoje se localiza o estaleiro para a SS Administração e Serviços. O contrato previa como encerramento de vigência o “término da construção dos comboios para a Transpetro”. Um mês depois, em 10 de março, o edital foi lançado em evento realizado na Feira de Cana-de-Açúcar de Araçatuba. Em 9 de agosto, um dia antes da abertura das propostas, o site da Transpetro publicou o press release “Consórcio Rio Maguari (atual ERT) apresenta menor preço para construção de 20 comboios do Promef Hidrovia”, que antecipa o resultado do certame.
Sobre o direcionamento e dano ao Erário causado à Transpetro pelo Consórcio ERT, diz o procurador Paulo de Tarso, é possível confirmar a existência de indícios claros da prática e consequente comprometimento do resultado. Os documentos indicam irregularidades no arrendamento da área, antes pública e doada à associação do agora secretário municipal Carlos Farias. As explicações da estatal sobre as informações antecipadas da licitação foram consideradas frágeis pela Procuradoria. Uma das empresas convidadas para a licitação, a DNP Indústria e Navegação, informou ao MPF não ter participado da disputa porque havia aparência de que o vencedor estava definido previamente. E, por fim, até hoje as barcaças não foram entregues e ainda não desempenham a função pelas quais foram contratadas. Nada parece verossímil e o passado de integrantes do Consórcio ERT também não ajuda. Os irmãos André e Paulo Gueiros, filhos do ex-governador do Pará Hélio Gueiros, do mesmo PMDB de Machado, foram acusados de, juntamente com o então senador Luiz Otávio, desviar 13 milhões emprestados pelo BNDES, em 2000, e que seriam utilizados na construção de… barcaças.
Outro ponto do inquérito, em especial, pode chamar atenção das autoridades do Paraná. Mesmo sem ter entregado um só comboio, o ERT recebeu 21,9 milhões de reis como adiantamento. Parte desse dinheiro, 2,1 milhões, foi repassada à empresa Dester Santa Cruz Desmatamento como pagamento pelos serviços de raspagem, movimentação de terra e terraplenagem. Há dois problemas, apontam os procuradores, na justificativa do Consórcio ERT para o repasse. Um: para o mesmo serviço, na mesma época, foi contratada a Estrutural. Segundo a Procuradoria, a empresa afirma nunca ter feito serviço em parceria com a Dester e que, quando começou, nenhuma intervenção havia sido efetuada no local. Dois: em diligência, o MPF de São Carlos não conseguiu encontrar sequer a sede da empresa em Santa Cruz das Palmeiras. Para piorar, o dono da Dester, José Carlos Ayres, foi preso em 2012 pela Operação Durkheim da Polícia Federal. No relatório final da investigação, a PF classifica Ayres como um doleiro atuante na prática do dólar-cabo por meio de contas sediadas nos principais paraísos fiscais do mundo. Entre seus clientes, aponta a PF, estavam cidadãos de Manaus e do Pará, terra dos Gueiros. Integravam seu grupo os também doleiros Marcelo Viana e Valdecir Gerardi, ambos alvejados pelos desdobramentos da Operação Farol da Colina, também comandada pelo juiz Sérgio Moro, atual titular da Lava Jato. À época, Viana e Gerardi foram denunciados por envolvimento com o doleiro Antônio Oliveira Clarmunt, o Toninho Barcelona, que praticava operações de câmbio ilegais com Alberto Youssef.
Sobre os fatos citados, a Transpetro informa que a licitação para a aquisição de 20 comboios hidroviários transcorreu com total lisura e atendimento aos ditames legais. A estatal diz não ter qualquer relação “com os fornecedores contratados para as obras de construção de suas instalações”. Contra o argumento da antecipação diz ter repassado as mesmas informações “a todos os interessados de forma isonômica”. Confrontado com a afirmação da DNP Indústria e Navegação, a estatal diz que somente a própria empresa pode informar a razão de ter perdido a oportunidade de participar do certame. A Transpetro não esclareceu o motivo de o seu site ter publicado um dia antes da abertura das propostas o nome da empresa ofertante do melhor preço. Sobre o atraso, informa ter sido notificada pelo Consórcio ERT, em julho de 2011, a respeito das dificuldades em relação às condições geomorfológicas do local, não fornecidas nos estudos. Machado afirmou que as indagações da revista são, no geral, baseadas em premissas equivocadas e estão carregadas de insinuações inadmissíveis. Segundo a nota enviada, o presidente “jamais foi processado, desafia a quem quer que seja a demonstrar que seus ganhos não são compatíveis com o patrimônio e nunca recebeu intimação no âmbito da Operação Castelo de Areia”. O Consórcio ERT não respondeu às perguntas enviadas por CartaCapital.
(Fonte: Carta Capital)