Na CPI da Câmara do Rio que apura suposto favorecimento na licitação de um camarote da prefeitura no Sambódromo foi revelado um diálogo do assessor-chefe do gabinete do prefeito Marcelo Crivella, Isaías Zavarise, com o presidente da comissão de licitação que leiloou o espaço por R$ 125 mil para a empresa Lockerblind – um valor bem abaixo dos R$ 500 mil esperados. A conversa ocorreu por meio de um aplicativo de celular no exato momento da licitação, no dia 18 de fevereiro. Antes de o conteúdo ser revelado, Zavarise negara qualquer contato com o processo licitatório ao se pronunciar sobre a abertura de uma sindicância pela própria prefeitura para investigar o caso.
As mensagens foram reveladas pelo presidente da comissão de licitação, Alexandre Gonçalves de Souza, nesta segunda-feira (29), na CPI. As reproduções foram obtidas com exclusividade pelo GLOBO. No dia 7 de fevereiro, Zavarise chama o presidente da comissão de licitação por meio de uma mensagem e demonstra interesse no edital para o leilão:
“Amigão, o Aílton precisa do processo do ano passado pra abrir o processo do camarote desse (sic) ano”, escreveu o assessor chefe de Crivella, referindo-se ao chefe de gabinete de Crivella, Aílton Cardoso.
No dia 15 de fevereiro, Zavarise volta a procurar o servidor:
“Bom dia! Vc sabe se saiu a publicação hoje do camarote?”
Já no dia 18 de fevereiro, no momento da licitação, é o presidente da comissão que faz o primeiro contato:
“Bom dia. Até o momento ninguém apareceu.”
Zavarise respondeu:
“Bom dia! Na primeira (chamada)? Agora vai pra segunda? O rapaz falou cedo que vinha pra licitação…”
O presidente da comissão afirma:
“Se não aparecer ninguém vou ter que declarar deserta (adiar a licitação).”
Zavarise, então, revela que o representante da empresa vencedora estava esperando o fracasso da primeira chamada para que o valor do lance inicial caísse:
“Eles estão aí esperando a hora da segunda (chamada)”.
No dia seguinte, no dia 19 de fevereiro, Zavarise volta a demonstrar interesse no processo licitatório e indaga o servidor da prefeitura:
“Amigão, os caras pagaram o camarote??? Os caras disseram que pagaram. Pedi pra mandar a cópia do boleto. O rapaz chamado Rodrigo me ligou dizendo que eles pagaram o boleto no Itaú para transferir pro Santander, que devido ao valor a gerente ficou meia (sic) enrolada… isso que ele me falou”.
Em seguida, Zavarise encaminha ao presidente da licitação a cópia do boleto pago.
A CPI que analisa o suposto direcionamento da licitação é presidida pela vereadora Rosa Fernandes (MDB) e tem Átila Nunes (MDB) como relator. Ambos têm feito oposição ao prefeito Marcelo Crivella na Câmara. Uma sindicância para apurar o caso já foi aberta pela própria prefeitura em março. Na ocasião, antes de as trocas de mensagens virem à tona, Zavarise negou que tivesse tido qualquer contato com o processo licitatório:
— Tive zero contato com o edital e com o processo licitatório. Não interferi em nada.
Zavarise afirmou, à época, que o baratemento do leilão do camarote pela prefeitura foi necessário. No ano passado, o valor inicial do mesmo espaço era de R$ 600 mil, e, não havendo interessados, o preço poderia cair pela metade, R$ 300 mil. Neste ano de 2019, o lance inicial foi reduzido para R$ 500 mil. E não havendo interessados na primeira e na segunda chamadas, o valor poderia ser reduzido a até R$ 125 mil.
— Sem as mudanças, não seria possível vender o camarote. O edital ficou para o final porque quem adquiriu o camarote em 2017 e 2018, a Itaipava, não comprou este ano – sustentou Zavarise.
Um fato foi determinante para a instauração da CPI na Câmara. Antes mesmo da abertura do edital de licitação para o leilão do camarote, a empresa que vendeu entradas para o espaço já tinha endereço na internet para comercialização dos ingressos. O site sambadreams.com.br foi registrado no dia 14 de fevereiro, quando sequer era sabido que haveria leilão para a cessão do camarote no setor nobre da Sapucaí.
Para o professor da PUC Manoel Peixinho, especialista em direito administrativo e constitucional, o caso é “gravíssimo”:
— Não pode haver qualquer contato entre gestor público e a comissão de licitação. A comissão de licitação deve agir de tal maneira que não sofra qualquer tipo de interferência. No caso, o gestor público interferiu no procedimento de licitação direcionando-a para proveito pessoal ou de interessados. Constitiu-se crime previsto na própria lei 8.666/93.
Procurada, a prefeitura ainda não se manifestou sobre o assunto. Já o assessor-chefe do gabinete do prefeito, Isaías Zavarise, não retornou as ligações.
(Fonte: Extra)