Supremo ainda não julgou ação de 2005 que questionava empresa por fazer contratos com regime diferenciado
Enquanto o país assiste às prisões de dirigentes da Petrobras e de empreiteiras, suspeitos de participar do esquema de corrupção que teria desviado bilhões dos cofres públicos, o Supremo Tribunal Federal (STF) mantém na gaveta há quase uma década o processo que determinará se a estatal pode ou não celebrar contratos à margem da Lei de Licitações. Na última quarta-feira, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, foi recebido em audiência pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski. Pediu que a ação fosse julgada logo, obrigando a Petrobras a realizar licitações nos padrões do serviço público, e não o processo simplificado ao qual se acostumou.
A discussão chegou ao tribunal em 2005, em uma ação ajuizada pela empresa Petrosul contra a Petrobras. O processo pede que a estatal se submeta à Lei 8.666 de 1993, que trata das licitações no setor público. Em setembro de 2008, o processo começou a ser julgado na Primeira Turma do STF. O ministro Carlos Alberto Direito, já morto, e Lewandowski votaram para que a Petrobras continuasse com o direito de realizar licitações simplificadas, previstas no Decreto Presidencial 2.745, de 1998, assinado por Fernando Henrique Cardoso. Para eles, a Lei das Licitações aniquilaria a competitividade da empresa no mercado.
Os ministros Carlos Ayres Britto, já aposentado, e Cármen Lúcia defenderam a aplicação da Lei das Licitações em todas as ocasiões. Em seu voto, Cármen argumentou que a Lei 8.666 aplica-se “indistintamente a todos os entes integrantes da administração pública, seja direta ou indireta”. Ela não reconheceu obstáculo algum para que a Petrobras se submetesse à regra.
JULGAMENTO FOI INTERROMPIDO EM 2011
Antes de encerrar o julgamento, os ministros integrantes da turma decidiram que o assunto deveria ser decidido pelo plenário, composto dos onze integrantes do tribunal. Em agosto de 2011, o plenário recomeçou o julgamento. O ministro Dias Toffoli votou a favor dos interesses da Petrobras e Marco Aurélio Mello, pela adoção da Lei de Licitações nos contratos da estatal.
Segundo Marco Aurélio, as sociedades de economia mista estariam obrigadas a contratar mediante licitação, “considerada a eficácia do ordenamento jurídico constitucional e o cuidado quanto à coisa pública”. Ele ressaltou que a licitação tem por objetivo evitar que interesses maiores fossem norteados pela política vigente, “com o fim de se beneficiar algum cidadão em detrimento de outros”, como que antevendo o escândalo do qual a Petrobras seria palco anos mais tarde.
O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux e não há previsão de quando o tema retorna ao plenário. Portanto, dos dez atuais integrantes do STF – uma das cadeiras está vaga -, são conhecidas as posições de quatro a respeito do assunto. Se nenhum ministro mudar de ideia, a discussão está empatada.
Em 2006, uma outra frente de discussão da mesma polêmica foi aberta, a partir de uma ação ajuizada no STF pela Petrobras contra decisão tomada pelo TCU em 2004 impedindo a Petrobras e seus gestores de aplicar o procedimento licitatório simplificado. Para o TCU, a Petrobras deve se submeter à Lei 8.666.
No recurso apresentado ao STF, a Petrobras argumenta que o TCU não tem competência para declarar inconstitucionalidade de lei. A defesa da estatal também sustentou que a adoção do procedimento simplificado ocorria porque, depois da edição da Emenda Constitucional 9, de 1995, a Petrobras “passou a atuar em regime de livre concorrência na exploração do petróleo”.
Na réplica, o TCU alegou que tem sim a competência de apreciar a constitucionalidade das leis e de atos do poder público. O TCU também argumentou que as empresas estatais que exploram atividade econômica devem obediência à Lei 8.666, “estando dispensadas de licitar exclusivamente quando compram ou vendem bens e serviços estritamente relacionados às suas atividades finalísticas”. O órgão também afirma que a licitação é preceito constitucional – portanto, deve ser disciplinada por lei formal, e não por um decreto presidencial.
Em março de 2006, o relator, ministro Gilmar Mendes, deferiu pedido de liminar da Petrobras e suspendeu a decisão do TCU. Foi com base nessa decisão que Lewandowski e Menezes Direito votaram no outro processo, em respeito à posição manifestada antes por Mendes.
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Desde então, o processo a respeito da decisão do TCU tem sido instruído com a manifestação dos dois lados. Quando foi recebido por Lewandowswki, Nardes entregou-lhe um memorial assinado pelo consultor-geral do TCU, Sandro Grangeiro Leite, pedindo que a ação fosse julgada de modo a manter a decisão tomada pelo TCU em 2004.
Fux já liberou seu voto para o julgamento em plenário. Mendes ainda não fez isso. Como o assunto dos dois processos é o mesmo, o julgamento será conjunto no plenário. Sem o voto de um dos relatores, Lewandowski não tem como marcar a data do julgamento. Independente desse detalhe, no tribunal não há tanta disposição assim para retomar o julgamento neste momento, em que os casos de corrupção na Petrobras vieram a tona. A discussão do tema no STF poderia politizar ainda mais o assunto.
Procurado pelo GLOBO por meio de sua assessoria, Nardes não comentou o assunto, pois estava em viagem. A assessoria de imprensa da Petrobras não retornou à reportagem.
(Fonte: O Globo)