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O contrato de eficiência na nova Lei de Licitações: economia para o ente público

A nova Lei de Licitações poderá fomentar o uso de uma modalidade contratual muito benéfica para a administração pública, mas ainda pouco utilizada no Brasil: o contrato de eficiência ou contrato de performance.

O grande diferencial desse tipo de contrato está no fato de toda a remuneração do contratado se dar pelo percentual de economia gerada ao ente público. Para a administração pública, a principal vantagem é que a maior parte do risco corre por conta do contratado, que deverá empregar os meios necessários para atingir as metas de eficiência e assim ser remunerado pelo serviço prestado, podendo, para tanto, realizar as obras ou o fornecimento de bens que julgar pertinentes. Outros subprodutos interessantes dessa modalidade de contratação são o fomento à inovação, já que são necessárias ideias inovadoras e criativas para o atingimento das metas, e a possibilidade de mensuração mais clara dos resultados obtidos.

O contrato de performance surgiu nos Estados Unidos com a missão de aumentar a eficiência energética dos estabelecimentos públicos. De acordo com o U.S Departament of Energy, estima-se que há uma redução de 41,9 trilhões de BTUs anualmente através de contratos de performance [1].

O International Finance Corporation (IFC), instituição membro do Banco Mundial, defende em seu Manual sobre Contratos de Performance e Eficiência para Empresas de Saneamento no Brasil que o contrato de eficiência pode representar uma importante solução para a baixa capacidade dos operadores de saneamento no país de alavancarem recursos [2]. O mesmo documento ainda reforça que a literatura internacional é unânime em indicar o contrato de eficiência para a redução de perdas de água comercial, em substituição ao tradicional contrato de terceirização [3].

Nesse sentido, é importante ressaltar os altos índices de perdas que ainda são contabilizados no Brasil (40,3%) [4], muito aquém das médias encontradas nos países desenvolvidos (15%) [5]. O estudo Perdas de Água do Instituto Trata Brasil 2022 (SNIS 2020): desafios para disponibilidade hídrica e avanço da eficiência do saneamento básico no Brasil, aponta que os índices podem ser ainda maiores, pois maior parte das empresas não mede as perdas de água de maneira consistente. Ademais, a complexidade das sociedades e o contínuo aumento da densidade demográfica nas áreas urbanizadas fazem com que a melhor gestão da água seja necessária para abastecer todos os cidadãos com dignidade [6].

Diante da crise fiscal em que se encontra o Brasil e, de outro lado, a necessidade latente de investimentos em diversas áreas, o contrato de eficiência pode ser uma opção ao poder público já que não implica em gastos e pode trazer bons resultados.

O contrato de eficiência foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei Federal nº 12.462/2011 — Regime Diferenciado de Contratações (RDC) — e foi abarcado pela nova Lei de Licitações (Lei Federal nº 14.133/2021), que substituiu as Leis Federais nº 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011. A modalidade também está presente na Lei das Estatais (Lei Federal nº 13.303/2016), que em seu artigo 45 trata da remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado e no artigo 54 que estabelece o julgamento por “maior retorno econômico” como o critério de julgamento dessa modalidade contratual.

A nova Lei de Licitações, aliás, também estabeleceu, em seu artigo 39, o critério de “maior retorno econômico” como aquele a ser utilizado exclusivamente nos contratos de eficiência. Por sua vez, o artigo 101 determinou o prazo de até 35 anos para os contratos de eficiência nos quais haja investimentos por parte do contratado que impliquem em benfeitorias permanentes revestidas ao patrimônio da administração pública ao término do contrato.

Normalmente, os contratos de eficiência são divididos em três etapas: (1) a pré-operação: oportunidade em que o contratado realiza todas as ações necessárias para o cumprimento das metas estabelecidas. Nessa etapa não há remuneração ao contratado; (2) apuração da performance: o contratado recebe valor proporcional variável pela economia gerada por suas ações no período anterior; e (3) remuneração fixa: o contratado recebe valor percentual calculado sobre a média da economia total gerada ao contratante durante o período de apuração da performance [7].

Se o contratado não atingir a meta da economia prevista no contrato de eficiência, a diferença será descontada da sua remuneração. Por outro lado, se a diferença for superior ao limite máximo estabelecido pela administração, o contratado estará sujeito à aplicação de sanções.

Esse tipo de contrato foi usado massivamente até agora para eficiência energética e, no Brasil, em alguns contratos para redução de perda de água. Entretanto, existem outros inúmeros usos possíveis ainda muito pouco explorados. É o caso, por exemplo, da redução de emissão de gases de efeito estufa ou da destinação correta de resíduos sólidos [8].

A experiência internacional tem mostrado outras aplicações para os contratos de eficiência. Na França, a título de ilustração, a administração pública celebrou contrato com empresas farmacêuticas para o desenvolvimento de novos medicamentos. A remuneração das farmacêuticas se dava pelo cumprimento das metas de desempenho, índices denominados Key Performance Indicators (KPI)[9].

Já nos Estados Unidos, usos sociais dos contratos de eficiência foram estudados pela Universidade de Delaware em três vertentes utilizadas naquele Estado: reabilitação vocacional, reabilitação de álcool e assistência familiar. Os contratados tinham liberdade para definir os meios para alcançar os resultados e sua remuneração era baseada no percentual de sucesso [10].

Na redação da nova Lei de Licitações, a aplicação dos contratos de eficiência foi restringida à economia dos gastos públicos. Todavia entendemos nada impede que outros usos sejam testados, como nos casos dos medicamentos ou social, já que tem total relação com uma administração pública voltada aos resultados e em busca de salvaguardar o melhor interesse público.

A obrigatoriedade de adotar o maior retorno econômico como critério de julgamento pode acabar dificultando esses outros usos já que não é possível mensurar, em números absolutos, o retorno econômico na reabilitação de usuários de entorpecentes, por exemplo, mas é inquestionável que tais projetos também trazem economia aos cofres públicos na medida em que menos pessoas necessitarão da assistência do Estado — além, é claro, dos impactos sociais positivos relacionados.

Como no Brasil o instituto ainda não foi utilizado em outras áreas, tudo dependerá do entendimento dos tribunais para um uso mais abrangente, mas com certeza os contratos de eficiência são uma alternativa bastante sedutora em um Estado que muito precisa fazer, mas pouco recurso tem a utilizar.

—-

[1] Reducing Energy Costs and Carbon Emissions Through Federal Energy Performance Contracts. Disponível em: www.fedcenter.gov/_kd/Items/actions.cfm?action=Show&item_id=39378&destination=ShowItem. Acesso em: 6/3/2023.

[2] “[…] ao contratado cabe realizar todos os investimentos e prestar todos os serviços necessários (p.ex. troca de bombas, troca de hidrômetros, política de cortes) antes de receber qualquer pagamento do contratante. Diferentemente do modelo tradicional de contratação, não há, no contrato de performance, a obrigação do contratante em pagar o contratado pela conclusão de etapas de um determinado cronograma físico-financeiro previamente estabelecido e cujo cumprimento é aferido por meio de medições.

O pagamento ocorre com os recursos adicionais gerados a partir dos resultados obtidos com o aumento no faturamento gerado com a redução de perdas de água ou com a diminuição de despesas com energia elétrica. Não há, portanto, necessidade de endividamento por parte das operadoras de saneamento para financiar as intervenções de redução de perdas”, IFC. Manual sobre Contratos de Performance e Eficiência para Empresas de Saneamento no Brasil. Brasil, 2013.

[3] “Os contratos de performance oferecem uma nova abordagem para o desafio de redução das perdas de água. A essência dos contratos de performance é o agente privado não ser remunerado apenas pela entrega dos serviços, como ocorreria na terceirização, mas também pelo cumprimento das metas estabelecidas no contrato.

O contrato de performance é baseado na ideia de remunerar o setor privado pela entrega de resultados e não apenas pela execução de uma série de tarefas. Em contrapartida aos riscos assumidos, é conferido ao agente privado flexibilidade necessária para executar as suas tarefas conforme julgar ser o melhor de acordo com a sua experiência na área”, idem, p. 18.

[4] Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) 2021.

[5] TRATA BRASIL. Estudo de perdas de água do Instituto Trata Brasil de 2022 (SNIS 2020): Desafios para disponibilidade hídrica e avanço da eficiência do saneamento básico no Brasil. Maio, 2022. Disponível em: <https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2022/09/Relatorio_Completo.pdf>. Acesso em: 6/3/2023.

[6] Nesse sentido: “Os contratos de eficiência podem revolucionar o setor de saneamento básico no Brasil, ainda dominado por empresas estatais, em que os índices de perdas físicas com distribuição de água permanecem em patamares elevados, quando comparados com os vigentes em países mais desenvolvidos. O esforço para racionalizar o uso e consumo da água torna-se tão mais importante, quando se leva em conta os cenários futuros de escassez do produto para servir a população concentrada nas regiões metropolitanas”, RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro; JUNIOR, Mario Engler Pinto. Regime diferenciado de contratação: licitação de infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012. p. 69.

[7] Essa é a modelagem utilizada, por exemplo, pela Sabesp. Ver: PREGÃO SABESP ON-LINE MN 1.278/18.

[8] JUSTEN, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 511.

[9] MARQUES NETO, Floriano Azevedo; PINHEIRO, Hendrick. Contratos de Eficiência: Uma proposta conceitual e análise de experiências no direito comparado. In: Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 22 – nº 87, jan-mar 2022, p. 224.

[10] MARQUES NETO, op. cit., p. 228.

(Fonte: Conjur)

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