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Isenção de certificado da Anvisa em licitações divide especialistas


Indústria critica regra e ex-presidente da Anvisa cita ‘desmonte da agência’; Ministério alega cobrança do TCU

Portaria do Ministério da Saúde, publicada no último dia 13, tem motivado críticas da indústria farmacêutica. O texto retira trecho de regra de 1998 e derruba exigência do Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) para compras de medicamentos pelo governo. O certificado é concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Em nota, o ministério afirma que a aquisição de qualquer medicamento exige o registro do produto na Anvisa. Como o CBPF é documento essencial ao registro, “o requisito não foi excluído” do trâmite de compras, “mas era redundante no processo”, diz o órgão.

O JOTA ouviu mais de uma dezena de especialistas sobre a isenção do certificado. Em suma, há duas posições preponderantes, a favor e contra:

Quem apoia a portaria afirma que não há muito sentido em cobrar o CBPF, pois o certificado já é exigido no processo de registro de medicamento. Para alguns ex-dirigentes da Anvisa, o mais importante é criar uma agenda rigorosa de fiscalização de empresas fornecedoras do SUS. Há ainda o argumento de que o CBPF tem validade de apenas dois anos. Assim, é comum que empresas percam o certificado durante a validade do registro dos medicamentos (até 10 anos).
Representantes da indústria e alguns funcionários da Anvisa avaliam a dispensa do CBPF como parte de uma série de pressões do governo para corte de custos, que já levou à contratação de empresas que não cumpriram contratos. Em nota conjunta, a indústria afirma que “pensar apenas em preservar o orçamento, em detrimento da saúde do paciente, é inaceitável”. Também foi citado que a portaria era barreira contra a falsificação de medicamentos. Há ainda temor de esvaziamento da agência, que teria como passo final a dispensa do registro do medicamento em licitações.
Pressão do TCU
O Ministério da Saúde afirma que atendeu a acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) para excluir os dispositivos que cobram o CBPF. A exigência do tribunal foi feita em 2016 e reiterada em maio de 2018.

Parte da determinação do TCU havia sido cumprida em maio, com a publicação de portaria interministerial que cobra “apresentação do certificado de registro do produto emitidos pela Anvisa, bem como declaração do produtor referente à origem do produto acabado e do insumo farmacêutico ativo que o compõe”.

De forma reservada, funcionários do Ministério da Saúde disseram que houve pressão do tribunal para revogar o trecho da regra de 1998 e finalizar as exigências do acórdão. Fonte do tribunal teria informado que poderia ser aplicada multa, caso a medida fosse descumprida. O resultado foi a publicação da segunda portaria, segundo fontes da pasta.

Divergências
Para Marcio Raposo, sócio da Mendes, Raposo & Fernandes Advogados, a portaria gera insegurança sobre a qualidade dos medicamentos, “especialmente de importados, os quais são fabricados em plantas que, agora, podem não ter o CBPF para fins de atendimento às licitações”. Raposo questiona se não seria melhor modificar a Lei de Licitações, considerando que a consultoria jurídica do ministério argumentou ao TCU que o texto não prevê cobrança do CBPF.

O presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, afirma que o ministério passará a descumprir normas básicas de segurança da população. Ele lembrou o caso da falsificação do Androcur, no final da década de 1990, que matou pacientes que receberam o produto pelo SUS. “Foi a partir deste episódio que surgiu esta portaria, que trata de falsificação de medicamentos. Não entendemos quem ganha com este tipo de ação [portaria]. Sabemos quem perde: a população, que fica sob grave risco sanitário”, disse.

O presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Pedro Bernardo, disse que ficou surpreso com a portaria e chegou a cogitar que haveria erro na publicação. “Não faz muito sentido pedir para dispensar as boas práticas ao laboratório que fornece ao governo. É o mínimo que se deve exigir para fornecer medicamentos”, disse. O dirigente afirma que ainda não tratou com o governo sobre o assunto, mas que a medida parece fazer parte de uma série de ações que visam à redução agressiva de preços em compras do SUS. “Qual seria o motivo de fazer uma redução no grau de exigência de qualidade do produto? Não há outra razão”, disse.

O acórdão do TCU também foi duramente criticado por representante da indústria ouvido reservadamente pelo JOTA. A fonte afirma que “o TCU não tem visto absurdos de compras via PDP, onde se paga muito mais caro de forma centralizada do que nos estados, mas cobra o Ministério da Saúde sobre este acórdão de 2016”. Para a mesma pessoa, o tribunal foi conduzido por manifestações à época da consultoria jurídica do ministério.

Procurada, a Anvisa não se manifestou sobre a portaria do Ministério da Saúde. A reportagem conversou com funcionários e ex-dirigentes da Anvisa que se posicionaram sobre o assunto, ainda que reservadamente.

Contrário à portaria, o ex-presidente da Anvisa Ivo Bucaresky disse que cabe à agência decidir sobre a retirada da cobrança de CBPF em licitações. Para ele, a medida “é tentativa de desmonte da Anvisa”. Bucaresky afirma que o CBPF é importante, pois devem ser analisadas as condições de fabricação, além do produto final.

Um ex-procurador da Anvisa consultado pelo JOTA reforça, reservadamente, que compete à Anvisa, “nos artigos 2º e 7º da sua lei de criação, determinar a concessão e a cassação de CBPF”. Segundo a mesma fonte, o acórdão do TCU já havia provocado divergência em 2016 por tratar de “matéria de ordem técnica, de mérito administrativo”, disse.

Favorável à medida do ministério, ex-diretor da agência afirma que o CBPF já é requisito de registro e sua manutenção. Ele diz ainda que a Anvisa deve ter processo racional de inspeção, focado em produtores nacionais e em países como a Índia, com autoridade sanitária fraca, em vez de locais como os EUA, onde já há forte vistoria do FDA. “Ou seja, não vejo problema nesta portaria, se a Dimon [Diretoria de Controle e Monitoramento Sanitário da Anvisa] assumir realmente a liderança de modernizar a área de inspeções”, afirma o ex-dirigente.

Outro ex-diretor da agência argumenta que há setores interessados no uso do certificado como barreira comercial. Ele diz que o importante é inserir fornecedores do SUS em uma “agenda de fiscalização prioritária das autoridades sanitárias, baseada no risco do produto e de seu processo de produção”. Para esse ex-diretor, a certificação é o retrato de uma linha de produção num determinado momento. “O que importa é que a empresa cumpra as boas práticas de produção. Essa é a obrigação legal”, disse.

(Fonte: Jota)

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