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Em 6 meses, Smed recorreu mais a dispensa de licitação do que a Prefeitura inteira


Em entrevista ao podcast De Poa, vereadora fala sobre a CPI da Educação e o que está sendo investigado na Câmara

O episódio desta semana do De Poa, podcast do Sul21 em parceria com a Cubo Play, recebe a vereadora Mari Pimentel (Novo). Presidente da CPI da Educação na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, que investiga as compras e contratos celebrados pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) a partir de 2021, Mari conversa com Luís Eduardo Gomes sobre o objeto das investigações e o trabalho em andamento da comissão.

Na conversa, ela detalha o que está sendo investigado pela comissão e quais foram os procedimentos que chamaram a atenção para o cometimento de possíveis irregularidades. “Nós temos desde materiais que poderiam ser utilizados, por exemplo, nós temos impressoras. Essas impressoras é um contrato de comodato. Então, a professora tem a impressora lá, mas ela não pode pegar e ligar na tomada, porque ela tem que conectar com um cabo lógico. Todas as escolas nossas são parceirizadas com a Procempa, então tu precisa que a Procempa faça a ligação e aí a Procempa não ia, a Smed não dava orientação e aquela impressora estava lá. Então, ela poderia ser utilizada, como outros materiais. O próprio material que foi comprado, que é o Mind Lab, é um kit pedagógico chamado Mind Lab, uma tecnologia. Só que para a utilização desse kit, além de grande parte de treinamento que precisa dar ao corpo técnico, tu precisa colocar isso dentro de uma aula específica na educação, onde existe até uma perspectiva de mudança na grade curricular. E isso nunca chegou. Então, chegava o material e as professoras não entendiam”, diz.

O De Poa, parceria do Sul21 com a Cubo Play, é um programa de entrevistas sobre temas que envolvem ou se relacionam com a cidade de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, conversamos com personagens ilustres ou que desenvolvem trabalhos importantes para a cidade. Semanalmente disponível nas plataformas da Cubo Play e do Sul21.
Confira a seguir alguns trechos da conversa com Mari Pimentel.

Luís Gomes: Eu queria que tu explicasse para o nosso ouvinte qual é o objeto de investigação da CPI da Educação?

Mari Pimentel: O objeto da CPI são 12 itens. Eu visito frequentemente as escolas desde o início do meu mandato. Eu sou política de primeiro mandato, eu aprendi ao longo dessa trajetória a conhecer a educação municipal de Porto Alegre. E, para conhecer melhor, o melhor é ir nas escolas. Visitando as escolas em novembro do ano passado, eu me deparei com um número muito grande de materiais chegando e as diretoras, de maneira bem humilde e despretensiosa, me perguntando: ‘Mari, tu tem alguma orientação? Porque a gente, para o patrimônio, a gente liga para a Secretaria de Educação, não tem orientação sobre esse material’. E esse material ocupava salas de aulas inteiras.

Luís Gomes: E o que são esses materiais?

Mari Pimentel: Então, daí nós começamos a tirar fotos desses materiais e levei para dentro do gabinete pra gente conseguir analisar. E daí nós começamos a chegar com materiais, por exemplo, kit de laboratório, livros com materiais diferentes didáticos, chegamos com muitos itens de Chromebooks também nas escolas, adaptadores HDMI, telas interativas, mesinhas interativas, jogos, de tudo. Teve um acúmulo gigante de materiais em todas as escolas, sem orientação.

Luís Gomes: São materiais que, em tese, poderiam ser usados?

Mari Pimentel: Nós temos desde materiais que poderiam ser utilizados, por exemplo, nós temos impressoras. Essas impressoras é um contrato de comodato. Então, a professora tem a impressora lá, mas ela não pode pegar e ligar na tomada, porque ela tem que conectar com um cabo lógico. Todas as escolas nossas são parceirizadas com a Procempa, então tu precisa que a Procempa faça a ligação e aí a Procempa não ia, a Smed não dava orientação e aquela impressora estava lá. Então, ela poderia ser utilizada, como outros materiais. O próprio material que foi comprado, que é o Mind Lab, é um kit pedagógico chamado Mind Lab, uma tecnologia. Só que para a utilização desse kit, além de treinamento que precisa dar ao corpo técnico, tu precisa colocar isso dentro de uma aula específica na educação, onde existe até uma perspectiva de mudança na grade curricular. E isso nunca chegou. Então, chegava o material e as professoras não entendiam. Por que, o que acontece na educação? Até para o público que não sei se acompanha. Toda a professora no final do ano, ela já manda para o governo federal, via um site, isso acontece em todo o Brasil, qual vai ser o livro pedagógico que ela vai trabalhar. Então a Prof da 5ª série ou da 4ª série, lá por outubro ou novembro, ela entra num site e manda: ‘Eu vou utilizar o livro tal, tem tantos alunos’. Esse livro chega direto do governo federal e cada professor faz isso, em Porto Alegre ou em qualquer cidade. Então, para esses livros, as professoras estavam preparadas para dar as aulas. Mas chegaram outros livros didáticos.

Luís Gomes: Chegaram no início ou ao longo do ano?

Mari Pimentel: A grande maioria chegou mais para o meio do ano letivo, não inserido na grade curricular do início do ano.

Luís Gomes: O que, em tese, não deveria acontecer.

Mari Pimentel: Em tese, não deveria acontecer chegar no meio e muito menos chegar sem as devidas orientações do que fazer, como é que nós vamos ministrar a aula. E até livros, que as reportagens já trouxeram, que contêm erros graves de Português e Matemática. Então, como é que tu vai levar livros com problemas de Português e Matemática para os alunos? Então, para os professores pareceu: ‘Tá, nos mandaram um monte de coisa, a gente guarda, porque não tem finalidade de utilização’. Muitos professores empenhados em utilizar e trabalhar com os itens, pesquisando. Mas, como era um volume tão grande, foi difícil para os próprios professores inserir isso na sua escola.

Luís Gomes: Isso chegou em quantas escolas?

Mari Pimentel: Chegaram em todas as escolas da rede, desde a educação infantil. Então, a gente chega em escola de educação infantil, de zero a seis anos, em que chegaram muitas tesouras, lápis, materiais que nem na Educação Infantil tu precisa de um volume tão grande, porque tu vai começar a usar a tesoura e lápis a partir do JA e JB, que é o Jardim. Tu não vai usar para as crianças do berçário.

Luís Gomes: É até inadequado.

Mari Pimentel: Sim. Então, isso que é engraçado, sabe? Me pareceu que foi: ‘Manda para todo mundo, distribui e se vê livre desse material’. Então, a gente chega com um professor, eles falam: ‘Mari, eu tenho um caderno de linha aqui, numa escola de 0 a 6 anos, eu não vou usar caderno com linha’. Eu sou mãe de dois filhos pequenos, a gente sabe, se tu perguntar para qualquer pai, não existe nenhuma escola do município de Porto Alegre, seja pública ou privada, criança do Ensino Infantil usando caderno com linha. Não é uma perspectiva. Então, essa é a realidade. Mandaram, compraram e foram aproveitando para comprar. E isso foi chegando e acumulando nas escolas, e as professoras tentando dar um jeito. Então, esse foi o cenário que se demonstrou para mim, do final de 2022 para 2023, o acúmulo de materiais, questionamentos homéricos dos professores. ‘Mari, o que eu faço aqui com essa geladeira que não cabe dentro da minha cozinha?’ ‘Mari? Não sei o quê?’ Começou a ser Mari, Mari, Mari, e daí nós íamos buscando essas perguntas junto à Smed e a gente não tinha respostas.

Luís Gomes: Deixa eu te perguntar, esses materiais começaram a chegar no segundo semestre 2022. Entre 2022 e 2023, teve alguma orientação da Prefeitura: ‘Bom, chegaram no final do ano passado, é para usar nesse ano letivo’?

Mari Pimentel: Não, em nenhum momento teve esse tipo de orientação, porque, me parece até nesse momento, que não estava tendo uma orientação da Prefeitura, da Secretaria de Educação, com relação à utilização dos materiais. Ainda estava tendo um volume grande chegando e estava sendo assim: ‘Ah, vamos contratar uma pessoa para fazer tecnologia nas escolas’. E foi a única orientação que nós acabamos vendo nas escolas, e não o que nós vamos fazer com esses livros. Até livros que chegaram, por exemplo, para Educação Infantil ou para Ensino Fundamental, que são livros de segundo ano do Ensino Médio. Para tu ver, mandaram livros para biblioteca pra escolas que nem bibliotecária tinham, que estavam com a biblioteca inativa há três anos.

Luís Gomes: E aí tem um problema que não é só de logística, porque o município não tem escolas de Ensino Médio. Não faz sentido ele ter comprado esse tipo de livro, não é?

Mari Pimentel: Exatamente, é questionável. Por exemplo, chegaram uns kits de livros do estilo biblioteca. Então, tu tem lá Sherlock Holmes, livros que não estão nem no planejamento pedagógico dos professores utilizarem. Chegaram 30 livros do Sherlock Holmes, poxa, adoro Sherlock Holmes, mas onde isso está inserido dentro da perspectiva do plano de trabalho das nossas escolas? E vários livros assim que não estão inseridos no dia a dia. A gente tem essa lista do que chegou, me parecendo que foi compra uma quantidade, compra esse grupo de livros todos juntos, porque tem uma licitação com todos juntos, do que vamos comprar tal livro, tal demanda para tantos alunos em cada série, para trabalharmos essa temática, que é o que acontece. Poxa, eu tenho filho na escola, hoje foi me apresentado o ano letivo, falaram: ‘Nós vamos trabalhar com esses seis livros na Educação Infantil’. ‘Esses são os autores’. ‘Essa é a temática e essa é a perspectiva’. É isso que se trabalha quando tu vai numa escola, e não mandar um monte de livro sem ter… Como eu falei, gosto de Sherlock Holmes, até muitas vezes estou me sentindo mais próxima do Sherlock Holmes do que deveria estar, mas não deveria chegar dessa maneira.

Luís Gomes: E, se porventura chegasse, deveria estar no plano pedagógico. Não não faz sentido que não esteja no plano pedagógico. Aí, enfim, vamos discutir se é adequado ou não, poderia ter uma outra conversa sobre adequação, mas a chegada de livros que não estão previstos e nesse volume que os professores não sabem usar, aí que começou a levantar suspeitas. Tu falaste de 12 itens, se pudesse resumir, o que são esses 12 itens que a CPI se propôs a investigar?

Mari Pimentel: Muitos desses itens que foram comprados, eles foram comprados sem licitação. Eles aderiram a licitação de um município. Então, vamos lá a gente tem um município lá no interior de Minas Gerais, o município lá no interior que faz uma licitação. A gente sabe que, nessas cidades, as licitações são mais frágeis do que licitações na capital. Afinal, na própria Capital, nós temos uma área de licitações, a gente tem um setor que faz licitação para todas as secretarias da Prefeitura e nós temos também a própria Secretaria de Administração, que faz a parte das contratações via adesão à ata de preço. O que é uma maneira de contratar que foge à licitação. Ela pega e adere a uma licitação de outra cidade, mas que não era algo rotineiro. Não foi quase nunca utilizada no governo Marchezan. No próprio governo Melo, no primeiro ano, foi pouco utilizada. E só em um semestre, na Secretaria de Educação, foi utilizada mais que o ano anterior da Prefeitura inteira.

Luís Gomes: É permitido usar essa contratação por meio de adesão?

Mari Pimentel: Sim. Ela é permitida. Ela pula etapas, então tu chama de ‘pegar carona’. Normalmente, ela é para algo emergencial. ‘Ah, descobrimos que acabaram todas as copos de água do município’. Precisamos comprar para ontem. Tendo em vista não existir tempo hábil de fazer uma licitação, se adere a uma ata de copos de água que já tem um outro município. Mas isso é algo muito pontual. Por exemplo, a própria Secretaria de Saúde que é uma secretaria com R$ 2,5 bilhões, é uma secretaria que pouco adere a atas. E é onde a gente tem um dia a dia da saúde com demandas de remédios, insumos. Ela pouco adere, porque ela se planeja. E é assim que funciona uma secretaria. Então, aderir a atas de preços, ela pega carona e tu entra numa situação que tu consegue direcionar o vencedor. Porque quando entra já numa carona, tu já sabe quem venceu aquela ata. Então, tu já manda mensagem para o vencedor. ‘Olha, eu quero comprar de ti tantos milhões de reais’. Tu já vai para onde tu quer comprar do fornecedor, o que limita a competição e limita a transparência e a governança perante também o processo de compra. Por quê? Quando tu amplia e diz assim: ‘Eu preciso comprar copos de água’. Põe duas ou três características, precisa ser alto e precisa caber 200 ml’. Bom, vai vir um monte de fornecedores. Se tu limita que tu quer aderir aquela ata, tu só teve um fornecedor. Então, esse tipo de mecanismo acaba gerando muitos problemas também na parte de governança e onde o próprio Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público de contas estão de olho.

Luís Gomes: Mas não chega a ser ilegal?

Mari Pimentel: Não é ilegal, se instruído de maneira correta. O que precisa mostrar? Precisa existir um planejamento anterior do porquê aderir.

Luís Gomes: Também não pode ser ‘a Bangu’.

Mari Pimentel: Não poder ‘a Bangu’, porque eu não posso comprar algo direcionado. A administração pública, diferente da uma empresa privada, ela não pode direcionar algo específico. Ela tem que ampliar a concorrência. Então, ela precisa, primeiro, mostrar porque eu preciso de copo de água. ‘Nós precisamos de copo de água porque as pessoas precisam tomar água’. ‘O jeito que nós temos para tomar água vai ser através do copo de água, não vai servir a garrafinha, porque só nós analisamos que a garrafinha tem performance pior’. Dado isso, ok, tem que começar com a instrução. ‘Por que nós escolhemos o copo de água?’ E daí passa para as instruções de qual o perfil do copo d’água e deixar isso mais aberto. Então, isso fugiu nas nossas adesões de ata, porque a gente já entra para ‘vamos comprar o copo d’água, com o modelo tal, tamanho tal, da empresa tal’. Então, tu já fugiu totalmente ao processo anterior. E precisa outra coisa, mostrar a vantajosidade econômica para a Prefeitura. Então, eu comprar esse copo e não comprar um copo que é um pouco diferente, eu preciso mostrar uma vantajosidade de ter aderido a essa ata. Esse tipo de material não estava anexado.

Luís Gomes: Então, nesses materiais didáticos, a Prefeitura não fez essa explicação da necessidade de aderir a essas atas de preços?

Mari Pimentel: Exatamente, ela já mandou e já começa o processo de compra. ‘Comprar coleção Mente Inovadora’. Daí quem vende Mente Inovadora é Mind Lab. Então, já começa ‘vamos comprar da Mind Lab’. Não tinha outra opção. A grande questão, que também trabalha nessa perspectiva da adesão a registro de atos de preço, é que muitos dos concorrentes que nós estamos verificando, muitas vezes o próprio orçamento vinha de empresas que nem tinham aquele produto. ‘Tu me manda três orçamentos para anexar para mostrar que teve vantajosidade econômica para a Prefeitura’. E daí um dos orçamentos é numa empresa de avental, e não é nem a que vende livros. Um desses contratos, da Astral, anexa itens que nem mesmo tem uma competição. Então, poxa, qual é a concorrente que eu tô comparando se o o concorrente nem vende o produto que eu estou buscando no mercado?

Luís Gomes: Então, além de ser o método que tu considera inadequado, ainda tinha problemas no próprio processo da licitação?

Mari Pimentel: Exatamente, parece que já estava orientado para comprar e anexar aquela concorrência que já estava pré-determinada.

(Fonte: SUl21)

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