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Habilitação econômico-financeira em licitações. Julgados do STJ e TCU. Aspectos básicos

A habilitação econômico-financeira, objetiva aferir a capacidade e/ou aptidão econômica do licitante frente aos compromissos assumidos com a execução do objeto contratado.

Envolve dados e informações correlacionadas com a natureza e especificidade do objeto.

As exigências são restritas àquelas previstas em lei, revelando-se em rol taxativo/máximo permitido, não se concebendo outras, diversas do explicitado, no que se insere a vedação de demonstração de valores mínimos de faturamento anterior, de índices de rentabilidade e/ou lucratividade, e de índices e valores não usualmente adotados.

A comprovação dá-se de forma objetiva, através de coeficientes e índices econômicos previstos no edital, como a exemplo os tradicionais índices de liquidez (Corrente, Seca e Geral) e quociente de endividamento.

A Administração deve motivar a escolha dos coeficientes e índices eleitos, atentando para que se estabeleça uma relação e pertinência com o objeto licitado, as condições e o prazo de execução, o que atende ao princípio da motivação, evitando-se exigências desarrazoadas e excessivamente formalistas. Pode, ainda, exigir declaração subscrita por profissional contábil, atestando o atendimento dos índices econômicos previstos no edital.

O balanço patrimonial, a demonstração de resultado de exercício e as demais demonstrações contábeis, referem-se àqueles demonstrativos já exigíveis e apresentados nos termos da lei. Cabe aqui assinalar o que dispõe o artigo 1078, inciso I, do Código Civil (Art. 1.078. A assembleia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de: I – tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico;

Nesse sentido, cabe ao edital prever tal possibilidade, de modo a se estabelecer sobre quais exercícios sociais versarão as peças contábeis.

Em se tratando de pessoa jurídica constituída há menos de 2 (dois) anos, o balanço e as demonstrações em comento serão limitados ao último exercício, observado o acima exposto e, ainda, o disposto no § 1º do artigo 65, nesse caso, com a apresentação do balanço de abertura.

A certidão negativa de falência alcança, exclusivamente, essa situação, revelando-se impedimento. Não se estende por motivos óbvios à recuperação judicial de modo que, empresas nessa condição, não estão impedidas em participar de licitações, quando demonstrarem a sua viabilidade econômica.

Nesse sentido a súmula 50 TCE/SP:

”Em procedimento licitatório, não pode a Administração impedir a participação de empresas que estejam em recuperação judicial, das quais poderá ser exigida a apresentação, durante a fase de habilitação, do Plano de Recuperação já homologado pelo juízo competente e em pleno vigor, sem prejuízo do atendimento a todos os requisitos de habilitação econômico-financeira estabelecidos no edital.”

A possibilidade de exigência da relação dos compromissos assumidos tem por finalidade aferir se a empresa licitante detém capacidade financeira suficiente para a contratação levada a efeito. Incide sobre contratos públicos e privados firmados e em execução pela empresa, e busca aferir se não há comprometimento ou diminuição de sua capacidade operacional e/ou disponibilidade financeira, que possa afetar o cumprimento do objeto contratado.

Nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá ser exigida, de forma suplementar, a comprovação de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo equivalente até 10% do valor estimado da contratação. Neste sentido a lei 14.133/2021 reproduziu o que dispunha a lei Federal 8.666/93 (§§ 2º e 3º do artigo 31).

No caso do capital social, deve-se considerar o valor integralizado, como base de comparação. Nesse sentido a Súmula TCE/SP 48 (Em procedimento licitatório, é possível a exigência de capital social mínimo na forma integralizada, como condição de demonstração da capacitação econômico-financeira).

Oportuna, ainda, citar a Súmula TCE/SP 37 (Em procedimento licitatório para contratação de serviços de caráter continuado, os percentuais referentes à garantia para participar e ao capital social ou patrimônio líquido devem ser calculados sobre o valor estimado correspondente ao período de 12 (doze) meses).

JULGADOS ADVINDOS DA SISTEMÁTICA DA LEI 8666/93 E APLICÁVEIS À LEI 14.133/2021.

Ao disciplinar os documentos de qualificação financeira nas licitações, o artigo 31, inciso I da (antiga lei geral de licitação) lei 8666/93 aduzia:

“(…) balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios (…)”.

Aqui cabe inquirir preliminarmente a “mens legis” (o espírito da lei).

Ab initio, deve ser considerado que o objetivo precípuo da exigência de balanço patrimonial é verificar se a organização a ser contratada encontra-se em situação econômico-financeira que indique capacidade financeira para executar o contrato.

Assim, é nítido que em algumas situações pontuais devidamente fundamentadas, a apresentação do balanço patrimonial do ano anterior pode ser insuficiente ou inútil para tal averiguação. Exemplo de tais casos envolve, verbi gratia, uma empresa que sofreu operações societárias, ter ocorrido a reavaliação de seus ativos ante fato superveniente ou ainda ter aumentado o seu capital social no exercício corrente ao da licitação.

Evidentemente que o balanço do exercício anterior poderá não refletir a real situação patrimonial da organização no momento da participação da licitação, com o risco de excluí-la do certame, prejudicando os princípios basilares do torneio licitatório, quais sejam o da competitividade e o do interesse público, que permite a obtenção de maior número possível de propostas vantajosas para a administração.

HABILITAÇÃO ECONOMICO FINANCEIRA POR MEIO DIVERSO DO BALANÇO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE

O Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento de que a Lei não impõe para a Administração, necessariamente, a obrigação de exigir a apresentação de balanço patrimonial para aferir a capacidade econômico-financeira dos participantes, uma vez que tal requisito pode, em tese, ser comprovado por outros meios. Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EDITAL. ALEGATIVA DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 27, III E 31, I, DA LEI 8666/93. NÃO COMETIMENTO. REQUISITO DE COMPROVAÇÃO DE QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA CUMPRIDA DE ACORDO COM A EXIGÊNCIA DOEDITAL. RECURSO DESPROVIDO. A comprovação de qualificação econômico[1]financeira das empresas licitantes pode ser aferida mediante a apresentação de outros documentos. A lei de Licitações não obriga a Administração a exigir, especificamente, para o cumprimento do referido requisito, que seja apresentado o balanço patrimonial e demonstrações contábeis, relativo ao último exercício social previsto na lei de licitações (art. 31, inc. I), para fins de habilitação.”In casu”, a capacidade econômico-financeira foi comprovada por meio da apresentação da Certidão de Registro Cadastral e certidões de falência e concordata pela empresa vencedora do Certame em conformidade com o exigido pelo Edital. Sem amparo jurídico a pretensão da recorrente de ser obrigatória a apresentação do balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, por expressa previsão legal. Na verdade, não existe obrigação legal a exigir que os concorrentes esgotem todos os incisos do artigo 31, da lei 8666/93.A impetrante, outrossim, não impugnou as exigências do edital e acatou, sem qualquer protesto, a habilitação de todas as concorrentes. Impossível, pelo efeito da preclusão, insurgir-se após o julgamento das propostas, contra as regras da licitação.6. Recurso improvido. REsp 402.711/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/06/2002, DJ 19/08/02, p. 145)

Portanto, o artigo 31, I, da lei de Licitações encerra uma faculdade para a Administração, o que deverá constar do Edital. Na prática, no entanto, se vê que a maioria dos editais de licitação adotam tal prática (a de exigir a apresentação do balanço do último exercício).

Aqui cabe esclarecer que o que a lei veda é a apresentação de “balanços provisórios”.

E, assim, há que se diferenciar balanços provisórios de balanços intermediários.

Balanços provisórios são aqueles feitos extraoficialmente, para alguma necessidade específica ou nos casos em que a empresa tem poucos meses de existência o que impossibilita a apresentação de balanço patrimonial definitivo.

Por sua vez, os balanços intermediários são documentos que espelham a real situação patrimonial na data do seu levantamento, assumem caráter definitivo, desde que assinados por contador, pelo representante legal da pessoa jurídica e devidamente lançados no Livro próprio autenticado pela Junta Comercial.

Marçal Justen Filho esclarece:

“(…) não se confunde balanço provisório com balanço intermediário. Aquele consiste em uma avaliação precária, cujo conteúdo não é definitivo. O balanço provisório admite retificação ampla posterior e corresponde a um documento sem maiores efeitos jurídicos. Já o balanço intermediário consiste em documento definitivo, cujo conteúdo retrata a situação empresarial no curso do exercício. A figura do balanço intermediário deverá estar prevista no estatuto ou decorrer de lei.” (negritos de ora) (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo : Dialética Editora. 12ª edição, 2008. p. 443).

No que tange a eventos supervenientes, como é o caso do aumento do capital social e transformação societária o mesmo Marçal Justen Filho aduz:

“(…) não há empecilho à licitante fundar sua capacitação econômico-financeira em eventos ocorridos no curso do exercício, não refletidos em demonstrações financeiras anteriores.

Assim, suponha-se que a empresa em situação de alguma precariedade financeira tenha promovido aumento de capital mediante emissão de novas ações. Os novos recursos acarretaram sua capitalização. As demonstrações financeiras do exercício anterior podem conter dados insuficientes para satisfazer os requisitos do edital. É óbvio, porém, que evento superveniente alterou o panorama e deverá ser considerado pela Administração. Isso não é impedido pela vedação à apresentação de balanços provisórios. Quando promove elevação de capital, a nova situação contábil não se retrata em um “balanço provisório”. A provisoriedade do balanço se caracteriza quando inexistir sua aprovação por ato formal da sociedade. É provisório o balanço destinado a ser confirmado posteriormente, o que importa implícita e inafastável ressalva a seus termos. Não será necessário aguardar o término do exercício para levantar novas demonstrações que nada mais farão do que retratar aquilo que já ocorrera definitivamente no âmbito da sociedade.

Pelos mesmos motivos, a sociedade que delibera pela reavaliação de seus ativos também pode invocar os resultados para fins de licitação.

Tendo formalmente aprovado a reavaliação, os efeitos se retraram em balanço que não é provisório.

Idêntico raciocínio se aplica aos casos de reorganização empresarial. Havendo fusão ou incorporação, consideram-se as demonstrações financeiras daí decorrentes.

Pelos motivos expostos, a redução patrimonial também deverá ser considerada imediatamente. Se uma sociedade for submetida à cisão, a redução patrimonial poderá impedir sua participação. A sociedade cindida não poderá invocar demonstrações financeiras de exercício pretérito, atinente à época anterior à realização da cisão.” (negritos de ora) (JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 443-444)

Portanto, concluímos com a boa doutrina e Tribunais que se houver previsão, no contrato social, para extração de balanços intermediários, podemos dizer que é perfeitamente cabível a comprovação da situação patrimonial atualizada da organização, por meio de balanço patrimonial intermediário, desde que o documento esteja assinado por contador, pelo representante legal da pessoa jurídica e devidamente lançado no livro próprio autenticado pela junta comercial. Eis entendimento do TCU que adveio da época da lei 8.666/93 mas cuja lógica jurídica é a mesma e assim deve ser aplicável aos dispositivos da lei 14.133/2021:

“Não há vedação legal à apresentação de balanços intermediários para fins de qualificação econômico-financeira em licitação, desde que se comprove que o estatuto social da empresa autoriza sua emissão, conforme dispõe a Lei 6.404/1976. O conceito de balanço intermediário não se confunde com o de balancete ou balanço provisório. O primeiro é um documento definitivo, cujo conteúdo retrata a situação econômico-financeira da sociedade empresária no curso do exercício, e o segundo é um documento precário, sujeito a mutações” (negritos de ora) (TCU, Plenário. Acórdão n. 2.994/2016. Rel. Min. Benjamin Zymler, j. 23.11.2016)

EXIGENCIAS ADICIONAIS PARA SOCIEDADES ANONIMAS.

O manual do Tribunal de Contas da União traz a seguinte orientação: “Para sociedades anônimas, regidas pela Lei n. 6.404/1976, o balanço patrimonial e as demonstrações contábeis do último exercício social devem ter sido, cumulativamente: – registrados e arquivados na junta comercial; – publicados na imprensa oficial da União, ou do Estado, ou do Distrito Federal, conforme o lugar em que esteja situada a sede da companhia; -publicados em jornal de grande circulação editado na localidade em que esteja situada também a sede da companhia. Com relação às demais empresas, o balanço patrimonial e as demonstrações contábeis devem constar das páginas correspondentes do Livro-Diário, devidamente autenticado na Junta Comercial da sede ou do domicílio do licitante (ou em outro órgão equivalente), com os competentes termos de abertura e de encerramento” (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4. ed. Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 439

Celio Leite
Consultor em Licitações, Contratos e Governança Corporativa. Advogado da Eletrobras. Especialista em direito público. Mestrando em Direito Público. Professor de direito administrativo

(Fonte: Migalhas)

 

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