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Corrupção não tem fim. Tem controle, diz especialista

Especialista em Política Brasileira, a professora da Unesp de Franca, Rita Biason, é hoje uma das maiores especialistas do Brasil em corrupção. Ela foi uma das idealizadoras da criação de um dos bancos de dados mais ricos em informações sobre escândalos de desvio de recursos públicos e corrupção do País, com mais de 30 anos de história.

Ela também é responsável pelos estudos mais aprofundados sobre a legislação brasileira de combate à corrupção e sua aplicabilidade.

Rita Biason atendeu o Comércio na última quinta-feira e, por telefone, fez uma análise dos motivos que levam o Brasil a ocupar a 76ª colocação no ranking sobre a percepção de corrupção no mundo, segundo estudo divulgado pela organização Transparência Internacional, que analisa 168 países e territórios.

A gente ouve muito falar sobre corrupção, mas nem todo mundo sabe exatamente o que é…
Corrupção tem uma definição mundial, que foi dada a partir de vários organismos como a OEA (Organização dos Estados Americanos), a ONU (Organização das Nações Unidas) e outros. É uma definição única e que serve de parâmetro para todos os países do mundo. Por ela, corrupção é o uso de recursos públicos para fins privados. Ela nasce da ausência de mecanismos de prevenção, controle e punição. É justamente a fragilidade desses mecanismos é que permite que a corrupção aconteça, que se utilize recursos públicos para fins privados.

No Brasil, temos uma vasta legislação com normas que visam combater a corrupção, um exemplo são as Leis de Licitação e de Responsabilidade Fiscal. Mas ainda assim somos classificados com um dos países com maior grau de corrupção. Por quê?
De fato, nós temos leis, mas são leis extremamente problemáticas. A Lei de Licitações que você citou, por exemplo, abre brechas para tudo isso que a gente está vendo, porque ela cria um tal grau de especificidades que ela mesma acaba sendo, vamos dizer assim, antropofágica. Ela mesma vai se devorando. Temos um banco de dados na Unesp de Franca sobre os escândalos de corrupção no Brasil desde 1980 e o que a gente vê ao longo desses 30 anos, quase 40, é que a grande maioria dos casos de corrupção no Brasil está ligada à Lei de Licitações. O Brasil não conseguiu aperfeiçoar essa lei. Nós temos uma lei, mas ela é repleta de lacunas, o que acaba gerando casos de superfaturamento constantemente, o dirigismo (que é quando há uma especificidade de produtos), acordos prévios entre os participantes e, mesmo com a introdução do modelo de pregão, ele tende a resolver apenas parte desses problemas. O que o País precisa fazer é modificar essa lei, que é extremamente problemática. O mesmo se aplica à Lei de Responsabilidade Fiscal. Como a de Licitações, ela também tem brechas. Uma das questões é que não há fiscalizações. Um exemplo comum é o limite de gastos com a folha de pessoal que a lei estipula em 60% do orçamento. Quando o município ultrapassa esse percentual, o Tribunal de Contas do Estado reprova as contas do município. Mas o que acontece depois? Essa reprovação é encaminhada às Câmaras Municipais, que têm o dever de analisar e têm o poder para cassar o prefeito. Mas o que vemos no estudo é que na maioria dos casos não há punição. Isso acontece porque boa parte dos prefeitos em exercício tem o apoio da maioria dos vereadores. Na prática, o parecer do tribunal se perde. Entende onde está o nó da questão? O problema aqui é a falta de poder do Tribunal de Contas. Precisamos introduzir um dispositivo legal, em que na medida em que o tribunal detectar alguma irregularidade, automaticamente o Ministério Público seja acionado.

A senhora falou sobre o poder do Tribunal de Contas, é preciso lembrar que boa parte dos conselheiros, que são os responsáveis pelo julgamento final de contratos e gestões, são indicados políticos, não são servidores técnicos de carreira…
Verdade. Muitos não têm condições técnicas para fazer uma avaliação dos documentos que lhes são encaminhados. Isso também precisa ser mudado. Então, quando a gente começa a analisar e vai vendo todo o escalonamento de controle da corrupção, o que a gente constata é que tem toda uma abertura que acaba servindo para a corrupção. E quando analisamos o que acontece em países mais desenvolvidos, em que o grau de corrupção é menor, vemos que essas aberturas estão fechadas.

A demora do Judiciário para dar respostas às ações de improbidade propostas pelo Ministério Público contra agentes públicos também não gera uma sensação de impunidade que acaba influenciando nos atos de corrupção?
Isso acontece porque ainda falta celeridade às decisões judiciais. Essa é uma questão que vem melhorando desde a criação do Conselho Nacional de Justiça, que vem pressionando para que os juízes decidam mais rapidamente. Mas ainda assim dificuldades existem e são essas brechas que temos que ir fechando.

No Brasil, ainda se fala muito também na tolerância que a população tem com a corrupção. Prova disso seria o fato de boa parte dos políticos publicamente acusados de corrupção conseguir ainda ser eleita. Por que isso acontece?
Na verdade, acho que esta é uma visão que já não condiz com a realidade. Claro que existem os casos dos políticos que conseguiram se reeleger, como é o caso do Maluf, do Collor ou até do Renan Calheiros, mas são casos específicos de políticos que ao longo da história construíram seus currais eleitorais e se sustentam através deles. Mas quando analisamos a política e o Congresso de modo geral, vemos que há uma renovação sim. Para citar números, na eleição de 2014, a renovação foi de 43,7%. Na Câmara, dos 513 deputados, apenas 289 se reelegeram. A porcentagem daqueles que assumem o mandato pela primeira vez é de 38,6%. Então, há um certo mito de que estamos continuamente elegendo os mesmos políticos. Isso acontece porque a atenção recai muito sobre esses personagens. Mas o grau de renovação é alto. No Senado, em 2014, apenas 5% conseguiram se reeleger. 22% dos senadores são novos. Agora esses políticos que são conhecidos nacionalmente são eleitos por conta dos seus currais eleitorais que são resultado de uma política clientelista que ainda persiste no interior do Brasil e em alguns nichos de capitais.

Para a senhora, essa renovação tem relação com a Lei da Ficha Limpa, que também é um mecanismo de combate à corrupção?
Com certeza. A Lei da Ficha Limpa é responsável direta pela abertura de milhares de processos em todos os Tribunais brasileiros. Para você ter uma ideia da influência que esta lei pode ter em um pleito, em 2014, 14 mil políticos no Brasil foram condenados pelos Tribunais de Justiça, o que significa que por conta da Ficha Limpa, estarão impedidos de se candidatar. Esses números indicam quantos candidatos teriam sido barrados em 2014, por exemplo, quantos estão ainda que temporariamente fora da vida política. Por isso esse mito de que existe tolerância com a corrupção precisa acabar. Esses indicativos de renovação e condenação precisam ser mais divulgados.

Na sua opinião, esse movimento de renovação e maior conscientização política é um movimento sem volta?
Acredito que sim. É um movimento crescente. Temos também que lembrar que hoje temos a Lei de Acesso a Informação que, apesar de ainda não cumprir integralmente o papel dela, permite que os meios de comunicação tenham acesso a dados que antes eram tratados como sigilosos. Isso acaba levando informação ao cidadão que passa a acompanhar mais o que é feito com os recursos públicos. A preocupação da sociedade tende a aumentar e com ela o chamado controle social.

Como a senhora vê esse momento político do País em que a corrupção está tão em evidência? Na sua opinião, os protestos que têm tomado conta do Brasil podem ter reflexo sobre a corrupção?
Não. Infelizmente, estamos perdendo uma ótima oportunidade de trazer à tona as discussões sobre o combate à corrupção que são necessárias. Eu vejo nesses movimentos pelas ruas do Brasil um movimento mais ideológico e partidário. A corrupção aparece mais como pano de fundo. É uma pena. Eu falo isso porque quando você vê os movimentos que estão participando nenhum deles está discutindo uma proposta de melhoria dos mecanismos de controle da corrupção. O que chega mais perto disso é o movimentos dos procuradores (federais) que propuseram as 10 medidas anticorrupção e mesmo assim não acredito que tragam efeitos práticos.

Por que a senhora diz isso? A senhora é contra as medidas propostas pelos procuradores?
Porque a proposta se baseia quase que exclusivamente na criação de novas leis. Não precisamos de mais leis. Precisamos que elas tenham mecanismos que as façam funcionar efetivamente. Eu fiz um levantamento sobre os marcos normativos do Brasil contra a corrupção nos últimos 15 anos e a conclusão a que cheguei é que temos um excesso de leis. Leis que acabam até relegadas ao esquecimento. O problema do Brasil é a necessidade de uma nova lei ou a elevação da corrupção ao patamar de crime hediondo. Isso é balela. Faltou ideia. Você pode até fazer essa alteração, mas será que os juízes iriam de fato condenar algum corrupto considerando a prática um crime hediondo? Movimentos assim acabam caindo no vazio. É uma ótima iniciativa para chamar a atenção da população, para abrir uma discussão mais ampla sobre o tema. Mas não é isso que precisamos, o que precisamos é formar grupos dentro das esferas públicas que tenham conhecimento da rotina e repensem os processos e identifiquem as falhas para que elas possam ser corrigidas. Um setor crítico no Brasil é o de licitações públicas. O mau uso do dinheiro público está diretamente ligado às compras de bens e serviços. Esse é uma área em que as mudanças são urgentes. Precisamos antes de discutir novas leis, repensar as estruturas dos tribunais de conta. Outra questão que eu ainda não havia citado e que também merece atenção é o financiamento de campanha. O Brasil, neste quesito, foi de um extremo ao outro, antes podia tudo e agora não pode nada. E eu acredito que essa radicalização não irá resolver. Porque o problema não está no financiamento, mas nos caciques que controlam o processo eleitoral e os partidos. As questões mais importantes no que diz respeito à corrupção precisam todas serem repensadas e rediscutidas.

Para a senhora, qual o maior entrave no combate à corrupção no Brasil hoje?
A fragilidade dos mecanismos de controle e a falta de fiscalização efetiva do cumprimento da legislação. Falta tornar aquilo que é previsto na legislação uma prática comum. Além, é claro, de fazer ajustes nas leis já existentes para melhorar esses mecanismos.

Há como acabar com a corrupção?
Há uma máxima que diz que corrupção não tem fim, tem controle. Até mesmo nos países considerados mais desenvolvidos e ricos do mundo, como a Dinamarca e a Suécia, vira e mexe pipocam casos de corrupção. A diferença é que nestes países os mecanismos de combate à corrupção funcionam. Enquanto aqui no Brasil não vemos isso.

(Fonte: GCN)

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