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Pregão: publicação do edital no DOU quando licitação envolver verbas federais

É possível que o art. 37 da Constituição Federal seja um dos artigos mais conhecidos dos Advogados Públicos, membros dos Tribunais de Contas e até mesmo dos “concurseiros” de Procuradorias. E por qual razão? Talvez por ser um dispositivo em que o constituinte originário já balizou a atuação pública e trouxe standards de comportamento que lhe pudessem ser exigidos, elencando, para isso, princípios explícitos para a sua atuação: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Todavia, em que se pese o louvável esforço do constituinte originário, que tentou ao máximo evitar eventuais excessos na gestão do bem público no Brasil, o real e palpável sentimento de desconfiança que paira sobre a Administração Pública brasileira mostra que o efeito pretendido não foi alcançado no pós-1988.

Assim, diante de uma conjuntura que congrega cada vez mais um cenário de aumento do número de leis e atos administrativos normativos para a restrição de eventual discricionariedade do Poder Público e, por outro lado, um efetivo crescimento de ações de improbidade administrativa, há de se indagar se é possível que aqueles princípios que estão no art. 37, caput, da CRFB/1988 estejam sendo negligenciados enquanto normas, quer seja pelos Gestores Públicos, quer seja pelos Órgãos de Fiscalização. Na imensidão da legalidade, os princípios basilares da Administração parecem perder cada vez mais o seu eco.

Destarte, de forma a apresentar uma situação concreta em que os raros espaços ainda não exauridos pela atividade legiferante podem ser preenchidos por meio de uma interpretação conforme ao art. 37, caput, da CRFB/1988, nada mais justo do que trazer um caso que envolva um dos temas mais importantes e problemáticos para o setor público: a licitação.

Indaga-se, portanto, a seguinte questão: está o Município ou o Estado obrigado a publicar edital de licitação no Diário Oficial da União (DOU) quando, sendo a licitação realizada na modalidade pregão, a verba a ser utilizada advém integralmente ou parcialmente de origem federal?

Primeiramente, deve-se ressaltar que, embora o pregão seja disciplinado pela Lei nº 10.520/02 – a qual veicula normas específicas sobre essa modalidade licitatória – isso não afasta por si só a aplicação supletiva das regras contidas na Lei nº 8.666/1993, enquanto esta é considerada a Lei Geral de Licitações. Assim, ainda que a Lei nº 10.520/02 não preveja a necessidade de publicação do edital no DOU, a Lei nº 8.666/93 o faz em seu art. 21, inciso I, in verbis:

Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez:

I – no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais;

Ademais, encontra-se previsão semelhante no art. 17, inciso I, do Decreto nº 5.450/05, que regulamenta o pregão na forma eletrônica:

Art. 17. A fase externa do pregão, na forma eletrônica, será iniciada com a convocação dos interessados por meio de publicação de aviso, observados os valores estimados para contratação e os meios de divulgação a seguir indicados:

I – até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais):

a) Diário Oficial da União; e
b) meio eletrônico, na internet;
Contudo, ainda que não se pudesse falar em aplicação supletiva da Lei nº 8.666/93, na eventual dúvida da necessidade ou não de publicação do edital no DOU, a ideal e esperada postura do Gestor Público seria a de tentar compatibilizar a sua atuação com os princípios expressos do art. 37, caput, da CRFB/88, dentre os quais se aponta, neste caso, o princípio da publicidade, o qual deve ser considerado um elemento essencial dos atos administrativos justamente por ter o condão de atribuir eficácia perante terceiros e manter o controle público das contratações pela comunidade.

Frise-se, ainda, que, em se tratando de licitações, a definição do local de publicação do edital se dá em função da órbita política provedora e, havendo repasse integral ou parcial de verba federal, a publicação do edital no DOU facilitaria, igualmente, o conhecimento e fiscalização do certame pelos órgãos de controle da União, o que denota, por sua vez, confiança do Gestor Público na legalidade do certame e a sensação de maior transparência aos atos administrativos.

Neste diapasão, colacionam-se alguns julgados do Tribunal de Contas da União que versam sobre o assunto:

REPRESENTAÇÃO. CONHECIMENTO. MEDIDA CAUTELAR. CONCORRÊNCIA. OBJETO CUSTEADO COM RECURSOS FEDERAIS. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DO EDITAL NO DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO EM DESACORDO COM O ART. 21 DA LEI Nº 8.666/93. PUBLICAÇÃO SOMENTE NOS DIÁRIOS OFICIAIS DO MUNICÍPIO E DO ESTADO. FALHA FORMAL. BOA-FÉ. DETERMINAÇÃO. REVOGAÇÃO DA CAUTELAR. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS. ARQUIVAMENTO (TCU 01730420121, Relator: RAIMUNDO CARREIRO, Data de Julgamento: 20/02/2013).

NO CASO DE LICITAÇÕES REALIZADAS POR ENTES DA FEDERAÇÃO COM RECURSOS FEDERAIS REPASSADOS POR MEIO DE TERMO DE COMPROMISSO OU CONTRATO DE REPASSE, ALÉM DA PRÉVIA APROVAÇÃO DO PROJETO BÁSICO PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CAIXA, DEVE HAVER A NECESSÁRIA PUBLICAÇÃO DO EDITAL DO CERTAME NO DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO – DOU. (TCU Acórdão nº 2099/2011 – Plenário, Relator Marcos Bemquerer).

Cita-se, também, o entendimento doutrinário de Marçal Justen Filho, que parece estar em consonância com as posições adotadas pelo TCU nos julgados supracitados:

“O defeito na divulgação do instrumento convocatório constitui indevida restrição à participação dos interessados e vicia de nulidade o procedimento licitatório, devendo ser pronunciado a qualquer tempo.”[1]

Desta forma, entendendo-se que os princípios elencados no art. 37, caput, da CRFB/88 são, enquanto mandamentos constitucionais, obrigatórios à gestão do bem público, condicionar a validade da licitação à ampla e escorreita divulgação do edital no DOU, quando esta envolver verbas federais, ainda que a modalidade escolhida seja o pregão, parece ser medida absolutamente de acordo com a intenção do constituinte originário ao prever princípios expressos para gerir a Administração Pública, na medida em que a maior transparência possibilita a maior participação de eventuais interessados e, principalmente, aumenta o potencial conhecimento de toda a sociedade e dos órgãos de controle.

Finalmente, se a falta de transparência resulta em desconfiança e num profundo sentimento de insegurança, conforme já ensinava Dalai Lama, no desesperançoso cenário público atual, ao invés de se tentar frear os abusos do Poder Público por meio da criação de mais normas, enquanto advogados e aplicadores diários do Direito, é nosso dever interpretar o imenso mundo das leis e dos atos administrativos normativos conforme os standards elencados no art. 37, caput, da CRFB/1988, de forma a evitar eventuais impugnações dos Órgãos de Fiscalização e do Poder Judiciário em relação à atuação da Administração Pública e, sobretudo, buscando-se trazer maior credibilidade a um setor essencial brasileiro que sofre do mal que é a má reputação.

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[1] FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 17ª edição, 2016.

(Fonte: Jota)

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