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‘O Instituto de Pesquisas Espaciais está no fundo do poço’

O sistema ficou muito mais apertado. Até certo tempo atrás, havia certa tolerância, por exemplo, em relação à captação de recursos externos via fundações e ao uso da lei de licitações para compra de bens tecnológicos.

Criado em 1961, o órgão desenvolve pesquisas nas áreas de Ciências Espaciais e Atmosféricas, previsão do tempo e Engenharia Espacial e oferece cursos de mestrado e doutorado

 

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) “está no fundo do poço”, segundo seu ex-diretor Gilberto Câmara, que pediu demissão do cargo há um ano. Não só o Inpe, diz, como vários outros institutos e universidades federais que se esforçam para produzir ciência e tecnologia, mas não conseguem, por causa de uma legislação “arcaica”. Indignado, Câmara escreveu um artigo para o Jornal da Ciência, publicado na edição online em 22 de maio. Na sequência, conversou com exclusividade com o Estado.

 

O que o senhor quer dizer com “fundo do poço”?

Gilberto Câmara – Que o Inpe perdeu a capacidade de cumprir suas missões porque os meios necessários são limitados pelo sistema de administração direta e pelo controle da Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU), em que predomina a regra do ‘não pode’ e funcionários são contratados para a vida eterna.

 

O Inpe opera nesse sistema há muito tempo. O que mudou?

Gilberto Câmara – O sistema ficou muito mais apertado. Até certo tempo atrás, havia certa tolerância, por exemplo, em relação à captação de recursos externos via fundações e ao uso da lei de licitações para compra de bens tecnológicos. Mas essa tolerância está cada vez menor.

 

Quando as dificuldades começaram?

Gilberto Câmara – De uns cinco anos para cá, quando a AGU passou a interpretar leis de forma mais estrita. A posição é que qualquer recurso que entre nas universidades tem de ir para o orçamento da União e ser gasto segundo a lei de licitações. Essa posição liquida as instituições, tirando delas o mínimo de autonomia que existia.

 

Como ser mais eficiente?

Gilberto Câmara – O certo seria cultivar um sistema de mérito, só que isso é impossível na administração direta. Há incompatibilidade entre cultura de mérito e sistema baseado no controle dos meios – por exemplo, com licitações baseadas em menor preço e contratação de funcionários vitalícios. Não dá para comprar satélite como se compra carro, comparando três modelos e escolhendo o mais barato. Quero contratar pessoas por tempo determinado, não funcionários para o resto da vida.

 

O que o senhor quer dizer com cultura de mérito?

Gilberto Câmara – Uma cultura de mérito pressupõe que quem recebe recurso recebe para produzir determinado resultado. O sistema atual é totalmente antagonista à cultura de mérito necessária à produção de conhecimento. A exceção é São Paulo, porque a Fapesp julga fins, não meios. AGU, CGU e TCU não estão nem aí para resultados.

 

Qual seria a solução?

Gilberto Câmara – Essencialmente, um novo regime administrativo para institutos e universidades – e o melhor regime para isso hoje é o de organização social (OS). Não é o melhor que poderíamos criar, mas é o melhor que temos.

 

Quais são os reflexos no Inpe?

Gilberto Câmara – Há paralisia total nas decisões. Todos os editais do CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), por exemplo, estão sendo feitos pela Agência Espacial Brasileira, porque a AGU disse que o Inpe não pode mais contratar para o programa CBERS.

 

Os serviços prestados pelo Inpe estão ameaçados?

Gilberto Câmara – O risco é mais sutil. Serviços continuarão a ser prestados, mas não serão melhorados. A previsão do tempo não deixará de ser feita, mas a capacidade do Inpe de melhorar essa previsão está comprometida. O mesmo vale para o monitoramento da Amazônia: não vai acabar, mas não vai melhorar. Em resumo, o sistema está bichado.

 

 

Por: Herton Escobar

(FOnte: Estadão)

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