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Máfia da merenda aproveitou brecha em lei para desviar recursos, diz MP


Segundo promotores, compra sem licitação facilitou fraude milionária em SP.
Fundo ligado ao Ministério da Educação estuda alterar trecho de legislação

O esquema de fraude na compra de alimentos para merenda escolar em cidades do estado de São Paulo foi beneficiado, segundo o Ministério Público, por uma brecha na Lei de Alimentação Escolar.

A norma, assinada em 2009 pelo então vice-presidente da República, José Alencar (1931-2011), prevê a aplicação de recursos federais como incentivo à agricultura familiar, mas dispensa a necessidade de licitação pública.

De acordo com documento da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) enviado a órgãos de fiscalização em fevereiro deste ano, a liberação de recursos federais por meio do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é falha e não possui controle adequado.

No estudo, obtido pelo G1, A PGJ fez recomendações baseadas nos resultados da Operação “Alba Branca”, que identificou até o momento a movimentação de mais de R$ 38 milhões em recursos da União para pagar contratos falsos firmados com a Cooperativa Agrícola Familiar (Coaf), de Bebedouro (SP).

Procurado pela reportagem, o FNDE, que é ligado ao Ministério da Educação, informou que iniciou em março, junto a gestores do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a elaboração de estudos para alterar trechos da lei.

“A nosso ver o problema começa todo na legislação de 2009 que previu a maneira que isso seria realizado”, afirma o promotor de Justiça Leonardo Romanelli, que conduzia as investigações da Operação “Alba Branca” desde 2015.

O processo foi encaminhado à Justiça Federal na semana passada e a fraude na merenda será investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, depois que os investigadores constantaram na segunda fase da operação que 92,72% dos valores desviados eram de recursos de origem federal.

Compra sem licitação
Segundo o documento assinado pelo procurador-geral Márcio Fernando Elias Rosa, há brechas na lei 11.947/2009, que prevê a aplicação de recursos do FNDE para a compra de alimentos para a merenda escolar com incentivo à agricultura familiar, mas sem necessidade de licitação pública.

“São inegáveis os benefícios desta previsão legal, pois estimulará o incremento da agricultura e da economia daqueles locais. Todavia, a possibilidade de aquisição direta sem a prévia realização de licitação […] poderá ter o efeito inverso e ainda impor sério prejuízo”, mostra o documento.

“Facilitava a forma de gastar esse dinheiro, não através de licitações, mas por chamada pública, que é uma licitação muito simplicada, então a própria legislação já permite que a fraude seja feita com muito mais facilidade”, explica Romanelli.

Esquema de DAPs falsas
De acordo com as investigações, os procedimentos de compra desses alimentos foram burlados pela máfia da merenda. “A pessoa que se beneficiaria, que é o pequeno produtor, acabava não sendo, porque a Coaf, por exemplo, adquiria os produtos de grandes produtores”, diz o promotor Herbert Vitor Oliveira.

O Ministério Público indentificou que a cooperativa de Bebedouro comprava de grandes mercados, repassava aos municípios e fraudava a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar [DAP] com ajuda de um servidor da Secretaria da Agricultura de São Paulo, preso em março deste ano.

“Percebeu-se que a Cooperativa contratada valia-se da DAP individual de agricultores familiares e pequenos produtores e concretizava a venda à administração pública utilizando a DAP individual, de forma fraudulenta, sem conhecimento do agricultor familiar”, diz o estudo encaminhado ao Ministério da Educação.

Recomendações
No documento, entre as observações, a Procuradoria Geral de Justiça recomenda que estados e municípios promovam a compra apenas de gêneros alimentícios de produção própria de fornecedores, sem passar por terceirizados, para evitar novos casos de fraude.

Segundo o promotor Leonardo Romanelli, outros esquemas de fraude podem ser identificados pelas investigações a partir de agora. “Pessoas mal intencionadas se aproveitaram de uma lei falha e criaram aí uma forma de fazer em sequência, tanto que outras cooperativas já surgiram aparentemente e teriam se beneficiado”, afirma.

Além disso, a PGJ cobra fiscalização maior sobre os procedimentos de chamamento público para aquisição de gêneros alimentícios, para confirmar que a propriedade produtora contratada seja a mesma da DAP apresentada.

“Essas fraudes já se arrastam há anos e, no mínino, todos conseguimos inferir que há uma falha na verificação das contas dessas prefeituras e falta uma fiscalização mais efetiva por meio dos órgãos repassadores dessas verbas. Essa é a uma conclusão que já podemos tirar inicialmente”, diz Oliveira.

FNDE
Procurado pela reportagem do G1 para comentar as recomendações feitas pela procuradoria, o Fundo de Desenvolvimento da Educação informou que o propósito da Lei de Alimentação Escolar, assinada em 2009, é promover a aquisição de alimentos de pequenos produtores.

“Nesse sentido, não há previsão de alteração do normativo”, afirma o FNDE em nota enviada à reportagem.
Entretando, sobre a recomendação para alterar trechos da lei sobre a apresentação de documento que comprove a relação entre quem produz e quem comercializa, informou que o fundo debate o assunto desde março, logo após o envio do estudo.

“O tema está em discussão no Grupo Gestor e no Grupo Consultivo do Pnae, que envolvem, também, outros ministérios e entidades representativas da sociedade civil”, informou. “Estão sendo avaliadas possibilidades para facilitar ao gestor da educação identificar a vinculação entre quem produz o alimento e quem está sendo contratado para o fornecimento”.

(Fonte: G1)

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