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Crimes e pecados: STF entre Bacen e TCU

(…) quem condenou o réu por considerar fraudulenta uma licitação que o Tribunal de Contas da União havia – administrativamente – considerado lícita.

 

É possível que um mesmo fato seja considerado lícito e ilícito pelo Direito? Votos lidos ontem no julgamento do mensalão consideraram não haver crimes em situações nas quais o Banco Central julgou ter havido ilícitos administrativos, comprovados em auditorias que levaram a punições do Banco Rural. Sabemos que há pecados que não são crimes e crimes que não são pecados. Mas, como é possível que, em análise meramente jurídica, os mesmos fatos sejam considerados proibidos e permitidos?

 

Por estranho que possa parecer ao observador externo, operadores do Direito convivem naturalmente com a noção de que os mesmos fatos podem ser apreciados de maneiras distintas por diferentes ramos do Direito. Regras jurídicas são, em alguns casos, gerais e abrangentes. O respeito à dignidade humana, por exemplo, é norma que vale nos quatro cantos do ordenamento jurídico. Em outros casos, cada ramo do Direito constrói para si certa autonomia na apreciação de fatos sociais e sua qualificação jurídica: o conceito de funcionário público, ilustrativamente, varia conforme a perspectiva jurídica de análise seja a do Direito Penal ou do Administrativo.

 

O mesmo vale para o conceito de ilícito. “Ilícitos” são sempre violações ao Direito, mas “crimes” são uma espécie qualificada de ilícito. Todo crime é um ilícito, mas nem todo ilícito é um crime. A especificidade dos “crimes” decorre da (presumida) gravidade social das condutas incriminadas, da especial qualidade dos bens humanos e sociais que protegem e da seriedade das consequências de suas sanções, que levam o condenado a privações graves, inclusive de sua liberdade. Daí a chamada autonomia das esferas civil, penal e administrativa, reforçada ademais pela liberdade de apreciação das provas pelos juízes: raramente os resultados de uma esfera impõem-se, necessariamente, sobre as demais.

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