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A Porteira Continua Fechada: STF mantém Excepcionalidade e Rigor na Contratação Direta (por inexigibilidade de licitação) de Advogados pela Administração Pública

O STF, por maioria, apreciando o tema 309 da repercussão geral, deu provimento ao RE nº 656.558/SP. Em um dos pontos centrais da decisão, a Suprema Corte firmou o seguinte entendimento: São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores.” Tudo nos termos do voto aditado do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, André Mendonça e Cármen Lúcia. Plenário, Sessão Virtual de 18.10.2024 a 25.10.2024.(g.n.)

A interpretação dos artigos 13, inciso V, e 25, inciso II, da revogada Lei nº 8.666/1993 (e agora, artigo 6º, XVIII e artigo 74, III, da Lei 14.133/21) especialmente quanto à possibilidade de contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública sem licitação, por inexigibilidade, exige uma análise criteriosa dos requisitos que legitimam tal procedimento. Em resumo, os requisitos exigidos pela norma são:

a) um processo administrativo formal;
b) notória especialização do prestador (cf. art. 6º, XIX, da Lei 14.133/21: qualidade de profissional ou de empresa cujo conceito, no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permite inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato); trata-se da contração de um profissional reconhecido, renomado dentro no universo jurídico;
c) a natureza singular do serviço, sobre a assenta-se um dos pilares da inexigibilidade para a contratação direta de advogados e refere-se à complexidade e especificidade da demanda que não podem ser supridas de forma generalista ou padronizada. Esse tipo de serviço exige conhecimentos técnicos especializados e, além disso, uma experiência diferenciada para aquele assunto específico, o que pode, eventualmente, não ser encontrada em quadros permanentes do setor público. O caráter singular é interpretado, portanto, como um recrutamento que justifica a necessidade de expertise externa, diferenciada e especializada, quando os advogados públicos, embora encontrados, não possuem a especialização aplicada para o caso em questão.

Além desses critérios, o dispositivo estabelece que a contratação deve ser pautada na inadequação do serviço pelos próprios advogados públicos ou procuradores pertencentes aos quadros da Administração. Tal inadequação pode decorrer de fatores como limitações de especialização ou, ainda, um volume de trabalho que compromete a dedicação necessária ao caso específico. Esta exigência é uma medida de proteção ao interesse público e busca garantir que a contratação direta apenas ocorra quando for necessário, evitando o uso da inexigibilidade de licitação como ferramenta de conveniência.

Por fim, a decisão do STF estabelece, ainda, a necessidade de que o valor do pagamento ao profissional ou ao escritório contratado seja compatível com a responsabilidade profissional exigida para o caso concreto . Isso significa que o preço cobrado pelo serviço deve refletir, proporcionalmente, a complexidade, a relevância e o risco envolvido, bem como a especialização técnica aplicada ao profissional ou ao escritório contratado. Assim, o valor do pagamento deve estar em consonância com a responsabilidade assumida pelo contratado, garantindo que o preço não seja nem excessivo, de forma a evitar desperdício de recursos públicos, nem insuficiente, ou que possa comprometer a qualidade do serviço. Por fim, para efeito da justificativa do preço, observar-se-á o valor cobrado pelo escritório de advocacia em contratações semelhantes, o que exige um parâmetro objetivo baseado no histórico de preços praticados. Essa exigência visa estabelecer uma média de valores que funcionem como referência e parâmetro de razoabilidade. Tal referência permite garantir uma coerência histórica nos preços pagos e evitando variações injustificadas.

Em resumo, a interpretação da decisão proferida pelo STF no RE nº 656.558/SP permite-nos concluir que a contratação de serviços advocatícios por “inexigibilidade de licitação” continua a habitar a hipótese de absoluta excepcionalidade, a exigir rigoroso arcabouço documental probatório, sem o qual a contratação direta será irregular.

 

Publicado em 30 de outubro de 2024

Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em Licitações e Contratos no Escritório Ariosto Mila Peixoto Advogados Associados.

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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