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Multa por atraso na entrega sem notificação

Um determinado órgão aplicou multa por atraso de entrega, sem nos notificar. É correto perante a Lei?

A aplicação de multa prescinde necessariamente de comunicação prévia à contratada, sobre a sanção pecuniária que lhe será imposta, possibilitando, destarte, o exercício do direito de defesa. Como ato administrativo que é, o ato sancionatório deverá obedecer a certos pressupostos e formalidades sem os quais restará abusivo ou ilegal.

Sem observar o princípio constitucional que assegura o contraditório e a ampla defesa, a Administração Pública, conforme relatado na consulta, não concedeu o prazo legal de defesa contra a sanção referida.

Para a sanção de multa são assegurados dois momentos de defesa:

a)    Defesa prévia, contra a intenção da aplicação da multa, conforme artigo 87, caput, e § 2º, da Lei 8.666/93; e
b)    Recurso, contra a aplicação de multa com o devido valor já arbitrado, conforme previsto no artigo 109, I, alínea “f”, do mesmo diploma federal.

Vejamos os dispositivos citados:

“Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
(…)
II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
(…)
§ 2o  As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.”

“Art. 109.  Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:
I – recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, nos casos de:
(…)
f) aplicação das penas de advertência, suspensão temporária ou de multa;”.

Indubitavelmente, a Administração não respeitou o prazo de defesa prévia previsto EXPRESSAMENTE na Lei 8.666/93.

Outrossim, se não houve comunicação da “aplicação de multa” à contratada, conclui-se que também não foi informada a motivação/fundamentos em relação aos quais a empresa poderá defender-se.

Verifica-se, no caso, a ausência de motivação necessária a alicerçar a decisão meritória da Administração e, conseqüentemente, consumado o cerceamento ao direito de defesa; a falta dos fundamentos que embasaram a decisão sancionatória dificultará ou impedirá a defesa precisa e congruente da defendente.

Versa o art. 50 da Lei Federal de Processo Administrativo (9.784/99):

“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;”.
(…)

§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
(…)

Portanto, inequivocamente, a multa aplicada de forma “inquisitória”, sem qualquer direito ou oportunidade de defesa, revela-se arbitrária, mesmo porque lhe falta a imprescindível motivação. A ausência do prazo legal de defesa impediu o exercício da garantia constitucional do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, CF); portanto, o ato sancionatório é, antes de tudo, inconstitucional.

Ainda, na Lei de Processo Administrativo Federal (Lei Federal nº 9.784/99) cabe apontar que:

“Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.
(…)
Art. 58. Têm legitimidade para interpor recurso administrativo:
I – os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo; (…)”.

Isto posto, não há dúvida que é ilegítimo o ato de aplicação de multa sem a concessão do prazo de defesa prévia.

(Colaborou Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações públicas e contratos administrativos).

* Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta.

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