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Retenção ilícita de recebíveis dos seus contratados pela Petrobras: Equívoco conceitual do decreto 2.745/98 e suas repercussões práticas

O julgamento do RE 441.280, realizado em março de 2021, pôs fim ao antigo debate sobre a submissão da Petrobras ao regime de licitações regulado pela lei 8.666/93 (atente-se que as licitações realizadas a partir de 1º.4.21 são reguladas pela lei 14.133/21). O acórdão destacou que, à época dos fatos discutidos na demanda, os certames organizados pela Petrobras se submetiam ao Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado definido no decreto 2.745, de 24 de agosto de 1998.

Sendo a Petrobras uma sociedade de economia mista, nos parece correto o entendimento do STF, uma vez que a submissão da Petrobras ao burocrático regime geral da Lei de Licitações “inviabilizaria sua ativa participação no competitivo segmento de mercado em que atuava, inclusive em âmbito internacional”, conforme destacado no mencionado acórdão1. Registre-se que os fatos discutidos no julgamento em questão ocorreram nos anos 90 do século passado, tendo havido relevante evolução legislativa sobre o tema desde então.

Após o fim do monopólio para exploração de petróleo determinado pela EC 9/952, a lei 9.478/97 regulou as atividades da Petrobras, na condição de partícipe desse novo mercado, por meio dos seus artigos 61 a 67. O artigo 67 determinou que os contratos celebrados pela Petrobras para aquisição de bens e serviços seriam regulados por meio de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do presidente da República3. Desde então, instaurou-se intenso debate a respeito da legitimidade do Chefe do Executivo para editar tal decreto, uma vez que ter-se-ia criado uma “delegação legislativa imprópria” ao atribuir ao presidente da República a criação de normas a respeito de licitações.

Apesar de nos filiarmos a corrente que defende o vício de inconstitucionalidade do decreto 2.745/98, por ausência de legitimidade do Chefe do Executivo para editá-lo, entendemos que tal questão foi superada a partir da edição da lei 13.303/16, conhecida como a “Lei das Estatais”.

Esse foi o posicionamento do STF ao julgar o Ag. Reg. em mandado de segurança 27.796 do Distrito Federal no dia 29.3.194. O acórdão, da lavra do ministro Alexandre de Moraes, destacou que a Lei das Estatais revogou o art. 67 da lei 9.478/97, que servia como fundamento de validade para o decreto 2.745/98. Por consequência lógica, o referido decreto também não pode ser utilizado em novas licitações promovidas pela Petrobras desde julho de 2018, uma vez que a Lei das Estatais previu o prazo de dois anos para as empresas se adequarem aos seus ditames (art. 915).

O procedimento previsto no decreto 2.745/98, portanto, deixou de ser aplicado pela Petrobras, sendo substituído pelo Regulamento de Licitações e Contratos da Petrobras (RLCP) desde 20186. Com algum atraso, a Transpetro também lançou o seu Regulamento de Licitações e Contratos no dia 29 de julho de 20217. O novo regulamento deverá pôr fim a uma discussão jurídica relevante nos Tribunais relativa à forma de cobrança de multas aplicadas pela Petrobras nos contratos celebrados na vigência do decreto 2.745/98.

Isso porque a Petrobras amparava-se no item 7.1.3, ‘n’ do anexo 1 do decreto 2.745/98 para incluir em seus contratos cláusulas padrão, com a seguinte redação ou similar: “Fica assegurado à Petrobras o direito de deduzir do pagamento devido à Contratada, por força deste contrato ou em outro contrato mantido com a Petrobras, comunicando-lhe, em qualquer hipótese, a decisão com antecedência de cinco dias úteis, por escrito, importâncias correspondentes a: Todos os débitos a que tiver dado causa, notadamente multas de qualquer espécie e os decorrentes de obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, acrescidos de consectários.”

Por sua vez, o item 7.1.3, ‘n’, possui a seguinte redação: 7.1.3 – Os contratos deverão estabelecer, com clareza e precisão, os direitos, obrigações e responsabilidades das partes e conterão cláusulas específicas sobre: (…) n) estipulação assegurando à PETROBRÁS o direito de, mediante retenção de pagamentos, ressarcir-se de quantias que lhes sejam devidas pela firma contratada, quaisquer que sejam a natureza e origem desses débitos.

A aplicação prática dessas cláusulas, amparadas no referido item do decreto 2.745/98, é bastante problemática. Isso porque a Petrobras, sobretudo após os escândalos descobertos pela Operação Lava-Jato, passou a aplicar, com extrema severidade, multas milionárias a seus fornecedores e prestadores de serviço, havendo pouco espaço para razoabilidade e negociação.

Diante disso, o Judiciário passou a ter que decidir, muitas vezes em caráter de urgência, a respeito da legalidade da retenção de recebíveis das empresas contratadas pela Petrobras, a fim de fazer jus às severas multas aplicadas pela estatal. A controvérsia instaurada diz respeito à legalidade da aplicação desse mecanismo contratual de compensação automática de débitos e créditos da Petrobras nas ocasiões em que a contratada divergia da aplicação da multa.

A Petrobras e as suas contratadas possuem interpretações diversas a respeito da aplicação dessa forma de pagamento das multas por meio de retenção de recebíveis. Por um lado, a Petrobras entende que o mecanismo estipulado é válido mesmo que a contratada divirja da aplicação da multa, ao passo que as contratadas defendem que as penalidades por elas contestadas retirariam o requisito da certeza do crédito que a estatal pretende compensar ao reter seus recebíveis. Na prática, a dúvida que se instaura é se cabe à Petrobras recorrer ao Judiciário para a cobrança de multas cuja aplicação é questionada pelas suas contratadas ou se a regulação contratual impõe que seja feito o inverso. Ou seja, segundo a interpretação da estatal, as contratadas da Petrobras devem se socorrer do Judiciário para que seus recebíveis não sejam retidos ao discordarem da aplicação de multas.

Entendemos que as contratadas da Petrobras estão com razão nessa querela, ainda controvertida nos Tribunais, sobretudo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, costumeiramente demandado por ser a cláusula de eleição de foro da maioria dos contratos celebrados pela estatal petrolífera. A questão ainda não foi debatida no Superior Tribunal de Justiça, que acaba rechaçando a análise dos recursos especiais com base no enunciado da súmula 5 daquele tribunal8.

Diante do debate em voga, passa-se a analisar os argumentos de ambas as partes e o controvertido posicionamento do Judiciário a respeito do tema.

(Fonte: Migalhas)

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