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Credibilidade e investimento

Duas semanas antes, havia fracassado a primeira licitação do programa nacional de rodovias, porque o governo, em um ano, havia sido incapaz de conceber um modelo atraente para o setor privado.

 

A presidente Dilma Rousseff gastou 52 minutos de oratória, depois das apresentações de quatro membros de sua equipe, tentando vender a 350 convidados e potenciais investidores, em Nova York, a imagem de um governo sério, confiável e comprometido com a manutenção de sólidos fundamentos econômicos. O discurso presidencial encerrou um seminário sobre oportunidades de investimentos em infraestrutura no Brasil. Duas semanas antes, havia fracassado a primeira licitação do programa nacional de rodovias, porque o governo, em um ano, havia sido incapaz de conceber um modelo atraente para o setor privado. Poucos dias depois desse fiasco, apenas 11 das 40 empresas petroleiras esperadas inscreveram-se para participar do leilão do Campo de Libra, no pré-sal, programado para outubro. Ontem, um dia depois do seminário no principal centro financeiro do mundo, a revista britânica The Economist circulou com uma reportagem de 14 páginas sobre a estagnação da economia brasileira nos últimos anos, os problemas estruturais do País e as consequências do intervencionismo e até de suas pressões para o Banco Central (BC) reduzir os juros.

 

Se tivesse chegado um dia antes a Nova York, a revista proporcionaria um expressivo contraponto ao recitativo da presidente, dos ministros da Fazenda e do Desenvolvimento, Guido Mantega e Fernando Pimentel, do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, e até do presidente do BC, Alexandre Tombini, recrutado para a equipe caçadora de investimentos.

 

Em sua edição para a América Latina, a revista apresentou na capa a imagem de um Cristo Redentor em queda depois de um voo descontrolado sobre o Rio de Janeiro. Há quase quatro anos, em novembro de 2009, a capa havia mostrado um Redentor subindo como um foguete, com o título O Brasil decola. O novo título: Has Brazil blown it?. Tradução aproximada: “O Brasil estragou tudo?”. Outra possibilidade: “O Brasil fez uma grande besteira?”.

 

A publicação menciona a estabilização econômica no período do presidente Fernando Henrique Cardoso, a aceleração do crescimento na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, a rápida recuperação depois da crise de 2008, as perspectivas de uma nova fase de prosperidade e as oportunidades perdidas. Outras economias também perderam impulso nos últimos tempos, ressalva a revista, mas no caso do Brasil é preciso levar em conta a falha do governo na realização de reformas. A carga tributária, o peso da Previdência, o baixo investimento em infraestrutura, os custos trabalhistas e a complicação tributária estão entre os problemas enumerados na reportagem – ao lado da inflação persistente e da contabilidade criativa usada, nos últimos tempos, para maquiar os dados fiscais.

 

A presidente e seus ministros insistiram, no entanto, na afirmação do compromisso com o combate à inflação e com a solidez das contas públicas. Bateram, além disso, na tecla do cumprimento de contratos – um detalhe ressaltado pela presidente no discurso e na entrevista concedida a jornalistas antes de sua apresentação. Todos enfatizaram também as oportunidades de ganhos para quem investir em infraestrutura.

 

Não foi gratuita a insistência no tema do respeito aos contratos – política mantida há mais de 20 anos, disse a presidente. Segundo o ministro Pimentel, houve uma “interpretação equivocada” das medidas para renovação de contratos das concessionárias do setor elétrico e para o corte de tarifas. O episódio, sugeriu, pode ter levado alguns empresários a falar de insegurança jurídica. Governos prudentes e sem voluntarismo raramente são forçados a dar explicações desse tipo.

 

A presidente disse a verdade, ao apontar os amplos benefícios potenciais dos investimentos em infraestrutura – para investidores, operadores de serviços, consumidores e, em geral, para a economia. Mas quem menos acreditou nisso, até agora, foi o governo. Se acreditasse há mais tempo, teria avançado muito mais na atração de capitais privados. Ações serão muito mais importantes que qualquer palavrório para provar suas convicções.

 

(Fonte: Estadão)

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