
A Administração Pública, ao celebrar contratos administrativos, assume o dever de preservar o equilíbrio econômico-financeiro originalmente pactuado, conforme preceitua o art. 124, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 14.133/2021. Esse princípio visa assegurar que alterações supervenientes e alheias à vontade das partes não comprometam a justa remuneração da contratada. Entretanto, tem se observado crescente resistência por parte dos entes públicos em reconhecer pedidos de reequilíbrio ou reajuste, especialmente quando há prorrogação de prazos contratuais. Tal negativa tem sido, muitas vezes, fundamentada na suposta culpa da contratada pelo atraso ou em nome da proteção ao erário e da busca pela economicidade.
Contudo, a simples existência de prorrogação contratual consensual enfraquece a narrativa de culpa exclusiva do contratado. Isso porque, ao aceitar dilatar os prazos sem imputar sanções ou instaurar procedimento administrativo para apurar responsabilidades, a Administração consente com as razões apresentadas para o atraso e, por consequência, valida a continuidade do contrato sob novas condições temporais. Essa aceitação, de natureza bilateral, inviabiliza o argumento de que a contratada, ao atrasar a execução, provocou artificialmente o fato gerador do pedido de revisão de preços. Tal raciocínio não encontra respaldo jurídico, pois configura contradição inadmissível diante dos princípios da boa-fé objetiva e da moralidade administrativa.
Sob o ponto de vista técnico, a execução de obras públicas está sujeita a inúmeras variáveis exógenas, como interferências operacionais, atrasos na liberação de recursos e alterações no escopo físico do projeto. Quando esses fatores são reconhecidos pela Administração ao ponto de motivarem aditivos contratuais, é incoerente desconsiderá-los posteriormente como justificativas para negar o reequilíbrio econômico. A engenharia de produção reconhece a complexidade dos cronogramas de grandes empreendimentos, os quais frequentemente sofrem ajustes para viabilizar a continuidade das atividades sem prejuízo ao interesse público.
No campo econômico, é imperativo reconhecer que a volatilidade dos preços, especialmente de insumos estratégicos, a exemplo do aço, concreto, metais, produtos químicos, de acabamento etc., impacta diretamente na estrutura de custos das obras públicas. Tais variações, muitas vezes impulsionadas por fatores geopolíticos ou macroeconômicos globais, fogem ao controle da contratada e geram pressão sobre margens contratuais já definidas.
A negativa de revisão de preços sob o pretexto da “economicidade” revela, na verdade, uma falsa economia: ignora deliberadamente as dinâmicas reais do mercado e impõe ao contratado um fardo que não lhe pertence. Ao transferir integralmente os riscos imprevisíveis e extraordinários para o particular — mesmo diante de solicitações legítimas de reequilíbrio — a Administração viola frontalmente o princípio da equidade contratual e mina a confiança no regime jurídico das contratações públicas. Mais do que uma simples recusa, essa postura funciona como um aviso ao mercado: participar de licitações públicas é assumir o risco absoluto, mesmo quando ele supera, de longe, a margem de lucratividade da obra. Em última análise, trata-se de um desincentivo direto à concorrência qualificada, que transforma o contrato administrativo em um jogo de azar, em que só a Administração ganha — e todos os demais perdem.
É natural que o gestor público adote cautela na alocação dos recursos. No entanto, transformar a prudência em rigidez cega é não apenas um erro técnico, mas uma afronta à lógica contratual e à própria função da Administração Pública. Invocar o princípio da economicidade — isoladamente e de forma distorcida — para justificar a negativa de reajustes ou reequilíbrios legítimos é rasgar o dever de interpretar os princípios em conjunto e de forma harmônica. Afinal, manter um contrato desequilibrado, à custa exclusiva do particular, não representa economia alguma; representa, sim, o prenúncio do fracasso contratual. Obras paradas, judicializações em massa e aumento de custos finais são o destino inevitável dessa postura intransigente, que confunde controle com omissão, e responsabilidade com inação.
Concluir pela negativa da revisão de preços – seja por meio do reajuste ou do reequilíbrio econômico-financeiro – com base em prorrogações previamente aceitas ou sob uma leitura estreita e distorcida da economicidade é, em essência, subverter o contrato administrativo de um instrumento de parceria em um mecanismo de empobrecimento. O equilíbrio contratual não é um favor, uma concessão ou uma exceção — é uma exigência constitucional expressa no art. 37, inciso XXI, que impõe a manutenção das condições efetivas da proposta. Ignorar esse mandamento é promover um desequilíbrio estrutural em nome de uma economia ilusória, sacrificando a justiça contratual no altar da austeridade mal compreendida. Ao gestor público não se exige apenas zelo com o erário, mas inteligência institucional: o interesse público não se esgota na contenção de despesas, mas se realiza por meio de contratações sustentáveis, que garantam continuidade, previsibilidade e justiça ao longo de toda a execução contratual. Qualquer caminho fora disso é retrocesso, é insegurança, é desperdício disfarçado de gestão.
Publicado em 31 de julho de 2025
Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em Licitações e Contratos no Escritório Ariosto Mila Peixoto Advogados Associados.
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

