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Pregão e o Processo Produtivo Básico

A Lei Federal 8.248/91, que dispõe sobre a capacitação e competitividade do setor de informática e automação, havia preceituado em seu art. 3º, o seguinte:

 

 

“Art. 3º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta ou indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e as demais organizações sob o controle direto ou indireto da União, darão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e automação, nos termos do § 2º do art. 171 da Constituição Federal, aos produzidos por empresas brasileiras de capital nacional, observada a seguinte ordem:

I – bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País;

II – bens e serviços produzidos no País, com significativo valor agregado local.

§ 1º Na hipótese da empresa brasileira de capital nacional não vir a ser objeto desta preferência, dar-se-á aos bens e serviços fabricados no País preferência em relação aos importados, observado o disposto no § 2º deste artigo.

§ 2º Para o exercício desta preferência, levar-se-á em conta condições equivalentes de prazo de entrega, suporte de serviços, qualidade, padronização, compatibilidade e especificação de desempenho e preço.”

Ocorre que em 2001, a Lei Federal n? 10.176 alterou o referido art. 3º da Lei 8.248/91, modificando-se o teor do texto legal, ficando a redação conforme segue:

“Art. 3o Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta ou indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e as demais organizações sob o controle direto ou indireto da União darão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e automação, observada a seguinte ordem, a:(NR)

I – bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País;(NR)

II – bens e serviços produzidos de acordo com processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo.(NR)

§ 1o Revogado.

§ 2o Para o exercício desta preferência, levar-se-ão em conta condições equivalentes de prazo de entrega, suporte de serviços, qualidade, padronização, compatibilidade e especificação de desempenho e preço.”(NR)

Pois bem, nota-se que houve, no caput do art. 3º, a supressão do texto: “nos termos do § 2º do art. 171 da Constituição Federal, aos produzidos por empresas brasileiras de capital nacional”, em face da Emenda Constitucional n? 06/95 que revogou o art. 171 do pergaminho constitucional.

Quanto ao inciso II, do art. 3º, também houve alteração do texto, acrescendo ao dispositivo, a conformidade com o processo produtivo básico, na forma definida pelo Poder Executivo. A norma que define o PPB (Processo Produtivo Básico) é a Lei Federal nº 8.387/91, que conceituou definiu o termo: “processo produtivo básico”:

“Art. 7° Os produtos industrializados na Zona Franca de Manaus, salvo os bens de informática e os veículos automóveis, tratores e outros veículos terrestres, suas partes e peças, excluídos os das posições 8711 a 8714 da Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB), e respectivas partes e peças, quando dela saírem para qualquer ponto do Território Nacional, estarão sujeitos à exigibilidade do Imposto sobre Importação relativo a matérias-primas, produtos intermediários, materiais secundários e de embalagem, componentes e outros insumos de origem estrangeira neles empregados, calculado o tributo mediante coeficiente de redução de sua alíquota ad valorem, na conformidade do § 1° deste artigo, desde que atendam nível de industrialização local compatível com processo produtivo básico para produtos compreendidos na mesma posição e subposição da Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB).

(…)

§ 8° Para os efeitos deste artigo, consideram-se:

a) produtos industrializados os resultantes das operações de transformação, beneficiamento, montagem e recondicionamento, como definidas na legislação de regência do Imposto sobre Produtos Industrializados;

b) processo produtivo básico é o conjunto mínimo de operações, no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva industrialização de determinado produto.”

Com o advento da nova modalidade licitatória denominada  PREGÃO, o art. 3º da Lei 8.248/91, voltou a sofrer modificação no seu conteúdo. A Lei Federal nº 11.077/04, tratou de acrescentar novo parágrafo ao art. 3º, como segue:

“Art. 3o ………………………………………………………………………………………………………………………………………………

§ 3o A aquisição de bens e serviços de informática e automação, considerados como bens e serviços comuns nos termos do parágrafo único do art. 1o da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, poderá ser realizada na modalidade pregão, restrita às empresas que cumpram o Processo Produtivo Básico nos termos desta Lei e da Lei no 8.387, de 30 de dezembro de 1991.” (NR)

Assim sendo, depois de todas as alterações promovidas no texto da Lei 8.248/91 (alterações feitas pela Lei 10.176/01 e 11.077/04), o art. 3º assumiu a seguinte redação, que ora está vigente:

“Art. 3o Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta ou indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e as demais organizações sob o controle direto ou indireto da União darão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e automação, observada a seguinte ordem, a: (Redação dada pela Lei nº 10.176, de 11.1.2001)

I – bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País; (Redação dada pela Lei nº 10.176, de 11.1.2001)

II – bens e serviços produzidos de acordo com processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo.(Redação dada pela Lei nº 10.176, de 11.1.2001)

§ 1o Revogado. (Redação dada pela Lei nº 10.176, de 11.1.2001)

§ 2o Para o exercício desta preferência, levar-se-ão em conta condições equivalentes de prazo de entrega, suporte de serviços, qualidade, padronização, compatibilidade e especificação de desempenho e preço.(Redação dada pela Lei nº 10.176, de 11.1.2001)

§ 3o A aquisição de bens e serviços de informática e automação, considerados como bens e serviços comuns nos termos do parágrafo único do art. 1o da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, poderá ser realizada na modalidade pregão, restrita às empresas que cumpram o Processo Produtivo Básico nos termos desta Lei e da Lei no 8.387, de 30 de dezembro de 1991.” (Redação dada pela Lei nº 11.077, de 2004)

Para melhor elucidar o texto legal e buscando a interpretação que objetivou o legislador, melhor que seja analisado o artigo de forma fragmentada.

1) O art. 3º define que os órgãos que estiverem dentro da esfera da Administração Pública Federal – portanto, não estendeu aos Estados e Municípios – quando adquirirem produtos ou serviços de informática ou automação, e as propostas ofertadas pelos licitantes apresentarem condições equivalentes (quanto ao prazo de entrega, suporte, qualidade, padronização, compatibilidade, desempenho e preço), dar-se-á preferência.

a) primeiramente, aos bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País;

b) e, caso persista a equivalência entre as propostas, dar-se-á preferência aos bens e serviços produzidos de acordo com o processo produtivo básico, ou seja, àquelas empresas que demonstrarem possuir o conjunto mínimo de operações, no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva industrialização de determinado produto.

Nota-se que os “bens e serviços de informática e automação” definidos no caput do art. 3º e no § 2º, não são os “bens e serviços comuns de informática e automação” excepcionados no § 3º do mesmo artigo, que veremos a seguir.

2) Quanto ao § 3º, do mesmo artigo, temos que:

“A aquisição de bens e serviços de informática e automação, considerados como bens e serviços comuns nos termos do parágrafo único do art. 1o da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, poderá ser realizada na modalidade pregão, …”.

Os bens e serviços de informática e automação que forem considerados “bens e serviços comuns”, nos termos da Lei do Pregão, poderão ser licitados nesta modalidade, ou seja, apenas aqueles bens e serviços considerados comuns, de prateleira (produzidos em massa – commodities) cuja caracterização traga elementos e critérios objetivos de julgamento, de rápida análise e simplificada avaliação do produto ou serviço, poderiam ser adquiridos pela modalidade Pregão. Também é fato que muitos bens de informática como desk tops, monitores, impressoras e até note books, vem sendo adquiridos pela Administração através da nova modalidade licitatória com grande eficiência, imprimindo celeridade ao processo e economicidade aos cofres públicos. Alguns bens de informática adquiriram tamanha familiaridade com a população em geral – leiga, se assim pudéssemos nos referir – que atualmente qualquer cidadão, mesmo aquele desprovido de conhecimento técnico na área, poderá comprar um bom equipamento apenas com o conhecimento que vem obtendo na utilização corriqueira dos computadores nas escolas, universidades, nas residências, utilização da Internet etc. Portanto, alguns bens de informática não desfrutam mais da complexidade de antes, das características técnicas enfadonhas e da difícil compreensão ao intelecto normal do ser humano. Ao contrário, a rapidez das informações trazidas pela Internet e a própria necessidade do homem de sentir-se socializado e incluído no mundo digital o obriga a conhecer minimamente a máquina de processamento de dados que utiliza. Assim sendo, esses bens e serviços de informática comuns a todos e que hoje são vendidos nas prateleiras dos supermercados, podem ser adquiridos pela modalidade Pregão, logicamente, cercado das cautelas administrativas de definir correta e detalhadamente o equipamento ou o serviço, no edital da licitação; atentando-se, inclusive, para as normas certificadoras dos insumos e produtos que compõem o equipamento e que conferem segurança ao usuário e confiabilidade/qualidade ao produto.

O § 3º, do art. 3º, da Lei 8.248/91, introduzido pela Lei 11.077/04, abre polêmico precedente à utilização do Pregão (“tipo menor preço”) para a aquisição de bens e serviços de informática e automação, restringindo a participação às empresas detentoras do PPB.

Além do mais, registre-se o fato de que a aquisição de bens e serviços de informática e automação sempre foi restrita ao “tipo técnica e preço”, conforme art. 45, § 4º, da Lei 8.666/93 e Decreto Federal 1.070/94 (regulamentou o art. 3º da Lei 8.248/91) que determinava: “Art. 1° Os órgãos e as entidades da Administração Federal, direta e indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e as demais organizações sob controle direto ou indireto da União adotarão obrigatoriamente, nas contratações de bens e serviços de informática e automação, o tipo de licitação “técnica e preço”, …”.

Assim sendo, a Lei Federal nº 11.077/04 ao introduzir o § 3º no art. 3º, da Lei 8.248/91, provocou uma verdadeira “tsunami” na legislação vigente, produzindo, de um só turno, mudança na Lei 8.666/93 e no Decreto 1.070/94, permitindo-se a adoção do Pregão – menor preço – para a aquisição de bens e serviços comuns de informática e automação, até porque faltava na Lei 10.520/02 (Lei do Pregão) disposição expressa que permitisse a aquisição destes produtos e serviços através da modalidade pregão. Até então, a Lei 8.666/93 (art. 45, § 4º) proibia a aquisição de bens e serviços de informática pelo critério de menor preço, embora seja de conhecimento público e notório que a Administração Pública corriqueiramente adquire esses bens pelo menor preço, abstendo-se de adotar o critério de “técnica e preço”.

3) O restante do § 3º, reza que:

“… restrita às empresas que cumpram o Processo Produtivo Básico nos termos desta Lei e da Lei no 8.387, de 30 de dezembro de 1991.”

O que está “restrita às empresas que cumpram o PPB”?

Resposta: A aquisição de bens e serviços de informática e automação, considerados como bens e serviços comuns.

Portanto, a aquisição de bens e serviços comuns de informática e automação, está restrita às empresas que cumpram o PPB.

 

Com efeito, a única interpretação que poderia ser extraída do  citado dispositivo (§ 3º) é aquela em que se permitiria excepcionar a aquisição de bens e serviços de informática, através do Pregão (menor preço) – pois antes só era permitida esta aquisição adotando-se o “tipo técnica e preço” – desde que a aquisição e o processo de disputa estivessem limitados às empresas que cumprissem o processo produtivo básico, ou seja, somente as empresas que possuíssem o PPB poderiam disputar os fornecimentos para a Administração Pública Federal.

Resta claro que, se levada a esta interpretação, todos os bens e serviços “comuns” de informática e automação, quando licitados sob a modalidade Pregão, no âmbito da Administração Pública Federal, permitirão somente a participação de empresas que demonstrem cumprir o PPB, nos termos do art. 7º, § 8º, alínea “b”, da Lei Federal nº 8.387/91 (transcrito  anteriormente), ou seja, a empresa que não apresentar a comprovação de dispor de um conjunto mínimo de elementos que caracterize a efetiva industrialização (no Brasil) do produto ofertado, estará impedida de participar da licitação.

Vale lembrar também que a Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei Federal nº 8.666/93, art. 3º, § 1º, inciso II – proíbe o tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária e qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras. Em que pese a vedação a qualquer tratamento desigual, o próprio dispositivo da Lei de Licitações faz expressa RESSALVA AO DISPOSTO no art. 3º da Lei 8.248/91, permitindo-se o tratamento diferenciado na hipótese de ocorrer alguma das situações que caracteriza o exercício da preferência.

Diante de todo o exposto, conclui-se que;

1) Por expressa disposição legal (art. 45, § 4º, da Lei 8.666/93), a aquisição de bens e serviços de informática somente poderia ser realizada com adoção do tipo de licitação “técnica e preço”. No entanto, com o advento da Lei 11.077/04, a redação do § 3º incorporado ao art. 3º da Lei 8.248/91, permite que apenas bens e serviços “comuns” de informática e automação possam ser adquiridos sob o tipo de licitação “menor preço”, através da modalidade Pregão.

2) Para os fins do disposto no § 3º, do art. 3º, da Lei 8.248/91, o Pregão para compra de bens e serviços comuns de informática e automação impede a participação de empresas que não demonstrem possuir o conjunto mínimo de operações, no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva industrialização do produto.

 

(Colaborou Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações públicas e contratos administrativos).

 

Publicado em 22 de outubro de 2010
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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