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Contratações Públicas no Mercosul

Matéria esta muito delicada que vem sendo objeto de negociação desde os anos noventa e até agora não recebeu um tratamento definitivo.

Matéria esta muito delicada que vem sendo objeto de negociação desde os anos noventa e até agora não recebeu um tratamento definitivo. Certamente, o advento da recepção por parte do Brasil de eventos internacionais como a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 fizeram retardar algumas decisões que já pareciam prontas para ser colocadas em prática. É o que se tenta demonstrar no presente texto ao fazer uma descrição sucinta da evolução das negociações.

Tudo começa em 1997 quando o Grupo Mercado Comum (GMC) criou, mediante a Resolução GMC Nº 79/97, o Grupo Ad Hoc ‘Compras Governamentais’ com o mandato de elaborar um regime de compras governamentais de bens e serviços no Mercosul. O objetivo era elaborar dispositivos a respeito da cobertura, tratamento nacional, disciplinas e procedimentos com vistas à transparência e eficácia das referidas contratações.

Em 1998 o mesmo Grupo Mercado Comum emite nova Resolução, a GMC Nº 34/98, no sentido de estabelecer linhamentos mais concretos no que se refere principalmente a prazos, para a elaboração do pretendido regime de compras governamentais de bens e serviços no Mercosul. A idéia era apresentar ao GMC o projeto de marco normativo antes da XV Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum (CMC) que aconteceu em dezembro daquele mesmo ano.

Na verdade, o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul somente foi aprovado na XXV Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum em dezembro de 2003. Isto foi feito mediante a Decisão do CMC Nº 40/03. O referido Protocolo é composto por 32 artigos, o último dos quais condiciona a sua vigência à entrada em vigor de nova Decisão do mencionado Conselho mediante a qual se aprovem as disposições regulamentares.

Interessante destacar no documento aprovado que se aplicam de forma clara os princípios de tratamento de nação mais favorecida e tratamento nacional dentro de uma lógica de valoração dos contratos. Resulta surpreendente, no entanto, o disposto no artigo 2, I no que tange ao âmbito de aplicação, quando o restringe às entidades descritas por cada Estado-Membro no anexo I e os bens, serviços e obras públicas descritas nos anexos II, III e IV. Ainda mais quando no artigo 13 permite quaisquer modificações e retificações de listas de entidades, mediante notificação à Comissão de Comércio do Mercosul na reunião seguinte. No artigo 14 prevê o compromisso dos Estados no sentido de desenvolver negociações futuras através de sucessivas rodadas com o fim de completar a liberalização do mercado de contratações públicas no Mercosul.

Está claro que os Estados Membros colocaram obstáculos iniciais para semelhante regime num clima claramente receoso dos resultados. O fato é que, no prazo de apenas um ano, em 2004, a Decisão CMC Nº 40/03 será derrogada pela nova Decisão CMC Nº 27/04, onde se aprova novo Protocolo de Contratações Públicas e se condiciona a sua efetiva aplicação à aprovação do seu Regulamento por Decisão do Conselho do Mercado Comum, mas, atenção, devendo haver a posterior incorporação aos diferentes ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados Partes nos termos da referida Decisão.

Alguns dias depois, o Conselho do Mercado Comum emite nova Decisão, CMC Nº 55/04, apenas para aprovar parte da Regulamentação, na verdade, alguns detalhes que não tinham ficado a contento, na descrição do Protocolo, principalmente no que diz respeito à descrição de lista negativa de bens e serviços do anexo II.

Finalmente, em 20 de julho de 2006, os presidentes dos Estados Parte assinam o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul, conferindo-lhe o status de tratado internacional e não mais mera regulamentação interna da entidade. No entanto,  no seu artigo 32, 2 se estabelece que a sua vigência fica condicionada à entrada em vigor da Decisão do Conselho do Mercado Comum, mediante a qual se aprovem as disposições regulamentares.

Quer dizer, para efeitos práticos, por enquanto, nada decidido ainda. O problema é que, a esta altura, o governo brasileiro já tinha apresentado a sua candidatura para sediar a Copa do Mundo de 2014. O resultado positivo aparecerá em 2007. Além disso, o governo vinha auxiliando também desde então a preparação da candidatura da cidade do Rio de Janeiro para acolher as Olimpíadas de 2016, a qual resultará vitoriosa em 2009.

Para o governo brasileiro, por tanto, a regulamentação das compras públicas no âmbito do Mercosul não representa nenhuma prioridade. Claramente, prefere deixar tão apetitosas licitações ao sabor do seu mercado interno, o qual, em tese, teria condições de absorver a demanda, ainda mais havendo no horizonte próximo de 2010 novas eleições presidenciais.

Dois fatos jurídicos corroboram a nossa afirmação. Em primeiro lugar, a aprovação da Lei Federal 12.349/10, publicada no Diário Oficial da União em 16 de dezembro de 2010, antiga Medida Provisória 495 de junho de 2010. O objetivo é utilizar as compras públicas como forma de impulsionar o crescimento nacional. De que forma? Introduzindo uma alteração à Lei de Licitações (Lei Federal 8.666/93), criando uma margem de preferência de até 25% para os produtos e serviços nacionais, podendo custar mais e ainda assim ganhar o contrato. Como fica então o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul? Realmente, em tese, poderia ser estendida a referida margem para os Membros do bloco conforme determina o mencionado Protocolo. Mas como ainda não foi regulamentado, o governo brasileiro deixou claro que no caso das contratações ligadas à Copa e à Olimpíada esta margem de preferência não seria extensiva aos membros do Mercosul.

Em segundo lugar, o governo brasileiro criou, mediante a Resolução Camex Nº 49 de 05 de julho de 2010, no âmbito do Comitê Executivo de Gestão da Camex-Gecex , o Grupo Técnico de Contratações Públicas – GTCOP com o objetivo de examinar e recomendar o posicionamento brasileiro nos processos negociadores internacionais que tratem de Contratações Públicas, sendo ele presidido pela Secretaria Executiva da Camex e integrado pelos Ministérios que compõem o Gecex. Em minha opinião, se trata de uma estratégia inteligente para retardar ainda mais a decisão sobre a regulamentação do Protocolo. Aparentemente, o governo brasileiro mostra interesse nas atividades de regulamentação criando o grupo de trabalho. Mas qualquer pessoa bem que pode desconfiar, ainda mais em se tratando de uma composição tão numerosa e heterogênea quanto este grupo, que não foi precisamente criado para trabalhar no assunto…

Desta forma, o regime de contratações públicas no Mercosul, ainda não passa de uma boa intenção que ninguém descarta, mas que, principalmente por causa das manobras do governo brasileiro, fica à espera de uma regulamentação que não fazemos a menor idéia de quando poderá chegar.

(Colaborou José Blanes Sala, Doutor em Direito Internacional, professor de Políticas Públicas e consultor em matéria de Licitações e Contratos).

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