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Comentários ao PL que altera a lei 8.666

O Projeto de Lei nº. 7.709/07 que altera substancialmente a Lei de Licitações – Lei Federal nº. 8.666/93 .

 

 

O Projeto de Lei nº. 7.709/07 que altera substancialmente a Lei de Licitações – Lei Federal nº. 8.666/93 – traz inúmeras inovações que já, há muito, eram esperadas pelos utilizadores da Lei, contudo, revela aspectos preocupantes quanto ao cerceamento do direito de defesa do licitante.

Da inversão das fases licitatórias


A inversão das fases nas modalidades “concorrência” e “tomada de preços”, já era uma modificação esperada e praticamente uma seqüência natural dos acontecimentos. Nada obstante a vontade do legislador, há ressalvas na presente inversão. Atualmente, a fase de habilitação precede a de julgamento das propostas. A princípio, julgam-se os documentos de habilitação e, depois, as propostas financeiras apenas dos licitantes previamente habilitados.

Nos termos do PL nº 7.709/07, a Administração poderá inverter as fases, ou seja, será faculdade (poder discricionário) escolher a ordem das etapas, optando-se pela abertura das propostas antes ou depois da habilitação. Caso opte inicialmente pela abertura das propostas, a fase de habilitação será marcada pela avaliação do envelope de documentos apenas do primeiro classificado. Havendo a inabilitação do primeiro classificado, a Comissão avaliará a documentação do segundo classificado e assim por diante.

A ressalva e preocupação dessa alteração procedimental trazida pelo PL, reside na importância e obstinação cega da Administração pelo menor preço. Em que pese a classificação da proposta depender da avaliação da conformidade das especificações do produto ou serviço ofertados em relação ao edital, não é novidade o fato de que o conhecimento prévio do preço oferecido pelo licitante pode contagiar e interferir no julgamento das propostas, fazendo com que a análise técnica fique prejudicada em face dos preços apresentados. Chamo à razão, para que o conhecimento prévio do preço e da proposta, antes mesmo de verificar-se a qualificação técnica da pessoa física ou jurídica que será contratada, não prejudique a busca pela qualidade e adequação das contratações à efetiva necessidade administrativa.

 

Ademais, ressalte-se que o “melhor preço” ou “proposta mais vantajosa” diz respeito à escolha do produto adequado às finalidades da Administração e, nessa esteira, nem sempre o “menor preço” é o que atenderá aos objetivos almejados com a realização da licitação.

 

Utilização de meios eletrônicos em todas as modalidades de licitação

 

Não haveria cabimento a Administração distanciar-se do avanço dos meios e veículos eletrônicos de comunicação. A rapidez da internet e o acesso ao púbico quase que, permitam-me o exagero, de forma onipresente, aumentam o universo de concorrentes, a competitividade e facilitam a informação e o controle da sociedade em relação aos gastos públicos.

 

Contudo, também para a utilização de meios eletrônicos, é indispensável a transparência da conduta dos julgadores e a lealdade por parte dos licitantes. Se a participação dos licitantes e os atos do pregão são eletrônicos, os licitantes terão o direito de acompanhar em tempo real qualquer que seja a relação “julgador x licitante”, sendo vedado, por exemplo, comunicações particulares, como é o caso do uso do telefone durante a sessão pública de licitações eletrônicas.

Substituição das publicações na imprensa oficial pelas publicações em meio eletrônico na internet

 

Outra inovação dessa área será a substituição da publicação em Diário Oficial pela publicação em sítios oficiais da Administração Pública na internet.

Inclusão de fase saneadora

 

A fase saneadora destina-se a corrigir falhas e erros na documentação apresentada pelo licitante e traz grande avanço à eficiência do processo licitatório, contudo, o saneamento de falhas será possível exclusivamente nas hipóteses em que a Lei ou o Edital estabelecerem objetivamente a forma e o prazo para a correção do vício documental. O procedimento para tornar efetivo o saneamento de falhas deverá ser claro e objetivo, afastando do procedimento qualquer providência ou procedimento de ordem subjetiva.

 

Desconsideração da personalidade jurídica do licitante

 

A fase de habilitação exigirá a apresentação de declaração expressa do licitante de que tanto a pessoa jurídica (empresa participante) como as pessoas físicas dos sócios, diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas, não se encontram incursos em nenhuma das sanções administrativas previstas nos incisos III (suspensão temporária) e IV (declaração de inidoneidade) do art. 87 da Lei 8.666/93.

 

Tal disposição impedirá que empresas punidas bem como seus dirigentes possam participar de licitações e contratar com a Administração enquanto perdurarem os efeitos das sanções.

 

Disponibilização do SICAF a todos os órgãos da Administração Pública – Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

Também os Estados e os Municípios terão acesso ao SICAF – Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – criado e mantido pela União. Essas informações poderão auxiliar os julgadores quanto à regularidade de documentos e agilizar o processo de verificação documental.

 

Criação do Cadastro Nacional de Registro de Preços

 

Merece aplauso a criação de um “cadastro nacional de registro de preços” que possa balizar a Administração Pública quanto aos preços praticados nas licitações de sua região ou município, explicitando eventuais “superfaturamentos” ou “preços baixos” que possam comprometer a execução contratual.

 

Diminuição dos prazos e fases recursais

 

Absurda a hipótese da redução de prazos recursais para parcos “2 dias úteis”. Se a intenção do Governo é reduzir os prazos e dar maior celeridade ao processo de contratação, então que estabeleça normas rigorosas para a Administração durante a fase interna e instrutória do procedimento. É inadmissível que a Administração demande 3, 4, 6 meses para instruir um processo licitatório e, depois da demora, lance sobre os ombros dos licitantes a responsabilidade pelo atraso da contratação. Não serão os 5 dias úteis (prazo atual), assegurados à defesa ou contraditório do  licitante, que comprometerão a conclusão do certame.

 

A diminuição dos prazos recursais, como pretende o presente Projeto de Lei, não é um cerceamento ao direito à ampla defesa, mas a sua extinção. É um convite – ou melhor, uma imposição por parte da Administração – para que o licitante, irresignado com a decisão no processo licitatório, não tenha prazo para realizar vista à documentação processual e tampouco tempo para elaborar a tese recursal. Ou seja, conceder um prazo exíguo e insuficiente ao concorrente é, em verdade, um obstáculo ao licitante no livre exercício do seu direito.

 

Em verdade, diminuir o prazo recursal com a desculpa esfarrapada de “redução do prazo de contratação” denota uma parcialidade explícita do poder público, contudo, nociva ao processo legal de licitação.

 

Da não aceitação do recurso

 

Também no Projeto de Lei em questão, o legislador procura inovar em terreno movediço e perigoso, uma vez que incluiu critério subjetivo à fase de admissão de recurso.  Permite ao julgador recusar a interposição de recurso contra o julgamento da habilitação e das propostas, nos casos de erros ou falhas que não alterem a substância das propostas e dos documentos.
A falta de objetividade na redação do dispositivo permite traçar inúmeras interpretações daquilo que venha a ser “erros e falhas que não alterem a substância das propostas e dos documentos”. E em função dessa amplitude de interpretação, já consigo visualizar no futuro, grandes litígios sobre o tema.

 

Uso das novas ferramentas tecnológicas para verificação da habilitação

 

Nos processos licitatórios eletrônicos, aguarda-se para a implantação iminente da documentação eletrônica (e certificação digital) a fim de evitar o procedimento arcaico de envio da documentação por fax ou pelo correio.

 

Sem dúvida, permitir o uso da ferramenta eletrônica nas compras públicas exige modernização de todas as fases, inclusive da habilitação. O envio eletrônico da documentação tornará o processo ainda mais transparente, pois, em tempo real, os licitantes terão conhecimento dos documentos de habilitação do licitante vencedor.

Pena de suspensão temporária de participar de licitações quando o licitante for inabilitado em licitação

 

Reza a proposta para o novo texto do art. 43, com a inclusão do § 9º, que os licitantes, quando da participação de concorrências ou tomadas de preços em que houver a inversão das fases (1º a proposta e depois a habilitação), deverão declarar o cumprimento às exigências de habilitação. Até aí nenhuma novidade, uma vez que este procedimento, da declaração prévia de cumprimento a os requisitos da habilitação, já é verificada no pregão, presencial e eletrônico.

 

A novidade é a redação da proposta para o § 10 do mesmo artigo.

 

Na hipótese do dispositivo anterior (§ 9º), se o licitante apresentar declaração de cumprimento aos requisitos de habilitação e, posteriormente, quando aberto seu envelope de documentação, for declarado “inabilitado”, a Administração, por determinação legal, DEVERÁ aplicar a sanção de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração (na forma art. 87, III, da Lei 8.666/93).

 

A redação do dispositivo não deixa dúvida:

 

§ 10.  Na hipótese referida no § 9º deste artigo, se o licitante vencedor não reunir os requisitos de habilitação necessários a sua contratação, será aplicada a sanção de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, nos termos do inciso III do art. 87 desta Lei.” (NR)

 

Não se trata de poder discricionário, mas de obrigatoriedade de aplicar a sanção na hipótese de o licitante ser declarado inabilitado. Logicamente, tal medida visa coibir a prática maliciosa de alguns licitantes que participam do certame, mesmo com o conhecimento de sua situação irregular. Todavia, tal medida também será aplicada aos licitantes que, de boa fé, participam do certame, mas, por um lapso ou desatenção, deixam de apresentar um documento ou apresentam-no de forma irregular.

 

É desproporcional e irrazoável a aplicação da sanção em caráter obrigatório, especialmente porque, no caso, seria dado tratamento igual aos licitantes que participam de boa e de má-fé.  Portanto, se mantida a redação tal qual sugerida no PL, qualquer licitante que for inabilitado, ainda que o seja por uma falta de atenção, também será punido com a sanção severa da suspensão temporária.

(Colaborou Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações públicas e contratos administrativos).

 

Publicado em 24 de janeiro de 2011
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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