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CEGUEIRA DELIBERADA. COOPERAÇÃO POR OMISSÃO

Há quem afirme que o desconhecimento intencional pode assemelhar-se ao dolo eventual. Apesar de poder interpretar-se como um contradictio in terminis, a cegueira deliberada pressupõe que o agente tinha conhecimento do tipo, ou não tendo conhecimento do delito, deveria saber pela função ou pela responsabilidade ou pelo grau de importância do ato. Mas a busca pela ignorância para um dia justificar sua inocência, responde pela cegueira deliberada.

Relator na Apelação Criminal nº 0003069-76.2008.8.26.0352, o desembargador Camargo Aranha Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferiu seu voto, indicando a cegueira deliberada como a “ignorância consciente” ou a teoria das “instruções de avestruz”.

Pierpaolo Cruz Botini [1] explica a existência da willfull blindness nos casos em que o agente se coloca em situação proposital de erro de tipo . Mas complementa que é essencial que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento, com a intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, caso ela ocorra. Exemplifica o caso do diretor de uma instituição financeira que desativa o setor de controle interno ou de prevenção à lavagem de dinheiro, e suspende seus procedimentos mais relevantes de monitoramento, a criar uma situação de cegueira deliberada. E continua Botini, que o (…) agente deve perceber que a criação das barreiras de conhecimento facilitará a prática de atos infracionais penais. Assim, se o agente não quer conhecer a procedência dos bens, mas representa como provável sua origem delitiva, haverá cegueira deliberada. Por outro lado, se lhe faltar a consciência de que tais filtros o impedirão de ter ciência de atos infracionais penais, fica ‘absolutamente excluído o dolo eventual’ ” . [2]

Situação semelhante a esta – de conduta ativa e consciente – pode ser observada no Compliance Officer que não implanta (ou desativa ou propositalmente sabota) o canal de denúncias da companhia.

O diretor que desativa o Departamento de Compliance, sabendo que sua empresa atua em segmento crítico com forte dependência de recursos públicos, pode assumir o risco do dolo eventual [3] . No lado oposto, o diretor que nunca implantou um programa de integridade na sua companhia, por não conhecer ou por acreditar que sua companhia não está em situação de risco, não deve responder por cegueira deliberada.

A colocação de bloqueios de forma consciente para alegar desconhecimento, de fato caracteriza a cegueira deliberada. Por outro lado, a incompetência técnica, a ignorância sobre determinado assunto, afasta a willfull blindeness. Mas há uma zona cinzenta difícil de identificar, em que haverá severa dúvida sobre o elemento subjetivo que define a ignorância intencional ou o desconhecimento voluntário.
Quanto maior o conhecimento técnico maior é a probabilidade de ser responsabilizado por ignorância intencional. Há questões que também podem conduzir à responsabilização do agente: a pessoa tinha capacidade para evitar o ilícito?; ela possuía ferramentas (intelectuais ou institucionais) a sua disposição para evitar?; ela tinha conhecimento da existência dessas ferramentas institucionais (p.ex.: departamento de cadastro de inadimplentes)?; a pessoa já havia adotado antes, procedimentos racionais para alguns casos e para outros, não?; decidiu realizar uma aprendizagem seletiva daquilo que a beneficiava? Todas estas são questões que podem identificar com maior precisão a conduta omissiva própria (dolo eventual)

[1] A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470”,
http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direito-defesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470
“Porém, algo mais deve ser levado em consideração. Parte da doutrina e da jurisprudência equiparam ao dolo eventual a chamada cegueira deliberada (wilfull blindness). Trata-se de instituto de origem jurisprudencial norte-americana pelo qual se aceita como dolosos os casos em que o agente se coloca em uma situação proposital de erro de tipo. Assim, tem dolo de lavagem de dinheiro não apenas o agente que conhece (dolo direto) ou suspeita (dolo eventual) da origem ilícita do capital, mas também aquele que cria conscientemente uma barreira para evitar que qualquer suspeita sobre a origem dos bens chegue ao seu conhecimento”.

[2]Blanco Cordero, El delito de blanqueo de capitales, 3. ed., Cap.VII, 3.3.

[3] Sánchez, Jesús-María Silva; Llinares, Fernando Miró. In La Teoría del Delito em la Práctica Penal Económica, Claves La Ley, p. 299:
“Confirmando los términos de esta sentencia, la ignorancia deliberada se convierte tambiénen uma nueva modalidade de imputación subjetiv em la STS de 15-3-2006 (ponente Martínez Arrieta): así, afirma el Tribunal em esta resolución que, para sostener que alguien há actuado dolosamente, <<no se exige um dolo directo, bastando el eventual o incluso como se hace referencia em la sentencia de instancia, es suficiente situarse em la posición de ignorancia deliberada>>”.

Esse artigo faz parte de um especial – COMPLIANCE e o DIREITO PENAL NAS RELAÇÕES ENTRE EMPRESAS PRIVADAS E O GOVERNO – clique aqui e acompanhe os demais artigos.

 

Publicado em 07 de maio de 2018

(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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