
O atraso de pagamento da Administração Pública não é exceção — é risco contratual previsível.
A Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21) trouxe instrumentos valiosos, como o direito de suspender a execução quando o atraso superar 2 meses e a possibilidade de pleitear a extinção do contrato. Ao mesmo tempo, deixou lacunas estratégicas e propositais: não fixou prazo máximo legal para pagar, deslocando para edital e minuta contratual a definição de prazos de liquidação e pagamento.
Neste artigo serão tratadas medidas práticas: quando e como suspender; por que a “extinção por iniciativa do contratado” depende de consenso ou decisão judicial/arbitral; como cobrar correção monetária por todo o período de mora; e quais passos seguir na cobrança administrativa e, se necessário, na judicial; e, por fim, sempre com atenção a serviços essenciais, à ordem cronológica de pagamentos e aos prazos prescricionais.
1) Quando o atraso de pagamento ultrapassa 2 meses: suspensão da execução e a (difícil) “extinção do contrato por iniciativa do contratado”
A NLLC reduziu a tolerância legal ao atraso. O art. 137, § 2º, IV prevê que atraso superior a 2 meses (contados, certamente, não da emissão da nota fiscal, mas da data da exigibilidade da nota fiscal) faculta ao contratado optar pela suspensão do cumprimento das obrigações ou, ainda, pleitear a extinção do contrato.
Ocorre que, para o exercício do direito à extinção, o contratado enfrentará um problema prático: apesar de o § 2º do art. 137 falar em “direito à extinção do contrato”, o art. 138 elenca apenas três vias de extinção: (i) unilateral por ato da Administração; (ii) consensual; e (iii) judicial ou por sentença arbitral. Não existe na Lei a hipótese de “extinção unilateral pelo contratado”. Resultado: o “direito” vira um “direito de pedir” — que precisará ser consensuado com o órgão ou judicializado para se concretizar.
Outro ponto importante: para suspender o cumprimento das obrigações em virtude do atraso de pagamento superior a 2 meses, conforme faculta o art. 137, § 2º, é necessário avaliar o impacto que a interrupção da obrigação contratual irá causar, uma vez que, se o objeto do contrato for essencial – p.ex.: fornecimento de medicamentos essenciais à vida – o direito de suspensão é relativizado. Serviços públicos e atividades ou fornecimentos essenciais são aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Prevalece o princípio da continuidade do serviço público, e, nesses casos, a empresa deverá buscar outros meios judiciais para receber os valores devidos, sem interromper a prestação do serviço ou do fornecimento.
Para exercer o direito de suspensão ou de extinção do contrato, protocole notificação formal à Administração contratante informando o atraso de pagamento, acompanhada de memória de cálculo, cópia da nota fiscal e do atesto. Indique expressamente a data em que se completam 2 (dois) meses a partir da exigibilidade da nota fiscal — entendida como o marco a partir do qual o pagamento se tornou devido. Exemplo: se o edital prevê 10 dias para a liquidação e, após a liquidação, 10 dias para o pagamento, a exigibilidade da nota fiscal se inicia no término do prazo de pagamento; a partir dessa data, qualquer inadimplemento configura atraso.
Na mesma peça, requeira: (a) pagamento imediato; (b) suspensão das obrigações até a regularização, com preservação do equilíbrio econômico-financeiro; ou (c) abertura de tratativas para extinção contratual quando a continuidade do contrato se mostrar inviável.
Dica útil: documente também a ordem cronológica de pagamentos do órgão (art. 141). A lei exige publicidade mensal da fila de credores e das justificativas para alterações; isso ajuda a demonstrar o direito da requerente em uma eventual ação judicial.
2) Correção monetária durante todo o período do atraso
A correção monetária é devida sobre os pagamentos em atraso durante todo o período da mora, cabendo ao contrato prever critérios e índice de atualização (cf. art. 92, V, da Lei 14.133/21). Em outras palavras: a própria NLLC exige que o contrato diga como atualizar os valores em atraso, de que data e por qual índice.
Dica útil: se, após análise prévia do edital e da minuta de contrato, constatar-se a ausência do prazo de liquidação, ausência do prazo de pagamento, ausência dos critérios e índices de atualização monetária, ou ausência da previsão obrigatória do reajuste, pondere manejar uma impugnação ao edital para exigir que estas omissões sejam regularizadas.
Sobre juros moratórios, a NLLC não os prevê. A incidência de juros incidirá, apenas, nos valores que forem submetidos à cobrança judicial (por meio da ação de execução, monitória ou de cobrança). Raramente o contrato com a Administração prevê a incidência de juros por atraso no pagamento (a regra é apenas a previsão da correção monetária); se tal cláusula (prevendo a incidência de juros) estiver presente no contrato, a empresa credora poderá cobrar os juros, ainda na fase de cobrança administrativa.
3) A Nova Lei não fixa prazo máximo de pagamento: o edital e o contrato ganham protagonismo
Diferentemente da antiga Lei 8.666/93 (que, em várias hipóteses, apontava o prazo máximo de 30 dias para o pagamento), a Lei 14.133/21 não estipula um prazo geral e máximo para a Administração pagar. Houve, inclusive, tentativa de inserir esse limite na NLLC por meio da Lei 14.770/2023, mas o dispositivo foi vetado, de modo que não há prazo “legal” uniforme; quem define os prazos de liquidação e de pagamento é o edital e a minuta contratual (reforçados pelas regras internas do ente e, no âmbito federal, por normativos operacionais, a exemplo da Instrução Normativa SEGES/ME nº 77/2022).
Dica útil: os prazos de medição, liquidação e pagamento devem estar expressos no edital ou nas cláusulas contratuais. Se o edital for omisso nestes pontos, pondere utilizar a impugnação ao edital para a correção desse vício.
4) Cobrança administrativa (indispensável) e, quando não mais houver esperança no recebimento administrativo, a medida sensata será a cobrança judicial
4.1. Cobrança administrativa
- Demonstre o crédito: NF emitida, atestada e com liquidação reconhecida (quando cabível).
- Junte a linha do tempo do contrato; e-mails, prints ou relatórios da comunicação com o contratante são importantes para a comprovação do atraso.
- Requerimento formal: elabore uma petição escrita – física ou eletrônica, a depender da forma de comunicação que a contratada tem com o órgão contratante – e requeira o pagamento ao órgão contratante, na pessoa da autoridade máxima ou na pessoa do gestor do contrato. Inclua, conforme o caso, o pedido de suspensão das obrigações (se já alcançou o marco de 2 meses) ou, alternativamente, faça o pedido de extinção, se a empresa não mais tiver interesse na continuidade da relação contratual.
4.2. Cobrança judicial
- Nas circunstâncias em que não houver nenhuma perspectiva real de pagamento pela via administrativa, a contratada deverá ponderar a contratação de um advogado para ingressar com alguma medida judicial de cobrança (ação de execução, monitória ou ação de cobrança – há uma diferença grande entre estas três ações; por esta razão, pondere bem com o seu advogado a melhor alternativa)
- Cuidado com a prescrição: para os créditos constituídos perante a Administração Pública Direta, o prazo prescricional será de 5 anos, ou seja, após este prazo o seu crédito vira “fumaça” e a sua empresa não mais poderá cobrar judicialmente a Administração.
- Nos casos de Administração Pública Indireta (Estatais), a prescrição poderá ocorrer em 3 anos, a depender de cada caso. Consulte o seu advogado para entender melhor os detalhes.
Na NLLC, o problema do “atraso” deverá ser enfrentado com planejamento documental e estratégia processual. Antes de ingressar na licitação, trate o prazo de pagamento, os critérios de atualização monetária e o reajuste como cláusulas econômicas essenciais no ato convocatório— e impugne o edital se houver omissões.
Uma vez que o atraso no pagamento é uma realidade, notifique formalmente a contratante, demonstre a exigibilidade e a mora, apresente memória de cálculo com correção (e juros, quando cabíveis) e avalie o marco temporal de 2 meses para suspender a execução, sem perder de vista a continuidade do serviço público em contratos essenciais.
Se a inadimplência persistir, avance para a via judicial, observando a prescrição (regra geral de 5 anos na Administração Direta e prazos menores em Estatais, a depender do caso). Em síntese: faça uma boa análise prévia do edital e, quando possível, da situação econômica do órgão contratante; monitore a ordem cronológica, documente cada passo e acione os mecanismos legais no tempo certo — isso reduz perdas e aumenta a chance de recuperação integral do crédito.
Publicado em 13 de outubro de 2025
Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em Licitações e Contratos no Escritório Ariosto Mila Peixoto Advogados Associados.
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

