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Vício de competência

Gostaria de saber se caso não tenha um portaria publicada para designar o pregoeiro e a equipe de apoio e estes mesmos conduzirem um pregão do tipo presencial, mesmo sem ter a portaria designando-os, se seria válido o pregão.

Em regra, a inexistência do ato formal de designação do pregoeiro e equipe de apoio produziria a invalidade dos seus atos. Isto é, a inexistência do ato de designação retiraria do pregoeiro e equipe de apoio a competência para exercer aquelas atribuições que são justamente constituídas pelo referido ato (portaria, resolução etc). Consequentemente, o julgamento realizado por servidor incompetente não deveria produzir efeitos jurídicos.

No entanto, a depender dos fatos e circunstâncias do pregão que resultaram na contratação de uma empresa (p.ex.: para a realização de um serviço indispensável à satisfação de um interesse público), talvez seja menos oneroso e prejudicial para a Administração, manter o resultado do julgamento, em que pese a falha na inexistência do ato administrativo de designação do pregoeiro e equipe de apoio.

Para esta hipótese – de vício de competência – é possível defender a tese da convalidação do ato administrativo irregular, se os atos proferidos pelo pregoeiro e equipe de apoio:

a) foram praticados de boa-fé;
b) foram praticados por pessoas habilitadas (considerando que o pregoeiro e equipe de apoio pertenciam ao quadro de servidores do órgão licitante e, ainda, possuíam qualificação técnica para o desempenho daquela função);
c) estavam em conformidade com o mandamento legal;
d) estavam vinculados aos termos do edital da licitação;
e) demonstraram que o resultado alcançado atingiu o interesse público; e
f) se não houvesse vício de competência, os atos seriam praticados de forma igual ou muito semelhante.

Ainda, se a autoridade competente, que é detentora do poder de retificar ou ratificar os atos de julgamento do pregoeiro, confirmou o julgamento do pregão, entendo que o ato de convalidação passa a ser obrigatório.

Sob a tutela da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), eventual juízo de invalidade do ato de julgamento deverá examinar as consequências práticas do ato que determinar a anulação do julgamento, conforme art. 20 do Decreto-Lei nº 4.657/42.

No ensinamento de Weida Zancaner, “o princípio da legalidade visa a que a ordem jurídica seja restaurada, mas não estabelece que a ordem jurídica deva ser restaurada pela extinção do ato inválido”. (ZANCANER, Weida. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, 2. ed. São Paulo, Malheiros, 2001, p. 56 e 60).

Seabra Fagundes dispõe sobre a “Teoria da Convalidação”:

“A infringência legal no ato administrativo, se considerada abstratamente, aparecerá sempre como prejudicial ao interesse público. Mas, por outro lado, vista em face de algum caso concreto, pode acontecer que a situação resultante do ato, embora nascida irregularmente, torne-se útil àquele mesmo interesse. Também as numerosas situações pessoais alcançadas e beneficiadas pelo ato vicioso podem aconselhar a subsistência dos seus efeitos”. (FAGUNDES, Seabra. In “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, ed. Forense, 4ª ed., 1967, pp. 55-56)

Por fim, o Acórdão TCU nº 187/2003- Plenário:

“Esta Corte, por vezes, tem decidido pela manutenção de vínculos estabelecidos por atos manifestamente ilegais, mas que encontram sustentação em bases que alicerçam todo o ordenamento jurídico, com amparo no próprio texto constitucional. Invocam-se, assim, em tais situações, os princípios da boa-fé, da isonomia, da segurança jurídica e da estabilidade das relações constituídas. (…) Como já enfatizado, este Tribunal, em inúmeras oportunidades, tem dado prevalência ao princípio da estabilidade das relações jurídicas em detrimento da legalidade estrita. Não vislumbramos óbice a que este Tribunal, na presente situação, adote idêntico posicionamento”.

 

Publicado em 27 de outubro de 2020.

(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta.

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