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Licitação e direito regulatório: a questão dos medicamentos e dos distribuidores credenciados


Os laboratórios e os distribuidores sérios estão sujeitos a normas rigorosas, mas às vezes sofrem a injusta concorrência de aventureiros. A regulamentação sobre medicamentos não é exigente à toa, especialmente em relação a rastreabilidade dos produtos – e os laboratórios enxergam isso de modo positivo, exatamente porque são responsáveis pela qualidade de seus produtos. No entanto, no âmbito das licitações públicas, o direito regulatório nem sempre resiste, como deveria, a um enfrentamento com as normas de licitação.

No final dos anos 90, escândalos de falsificação de medicamentos levaram o Ministério da Saúde a editar uma Portaria (2.814/98) tratando de medidas para pronta identificação e garantia da qualidade dos medicamentos. Um de seus dispositivos obrigava a Administração licitante a exigir, das distribuidoras, uma declaração de credenciamento do laboratório. Essa medida não objetivava outra coisa, a não ser garantir controle sobre a origem, movimentação e qualidade dos produtos.

Entretanto, essa disposição não resistiu a reiteradas decisões que a consideraram como uma exigência ilícita em um edital – não prevista na lei n.8.666/93 – e com potencial de comprometer a livre concorrência porque deixaria exclusivamente aos laboratórios a oportunidade de controlar quem participaria ou não de cada disputa. O dispositivo acabou sendo revogado (Portaria 1167/2012). A consequência prática é: supostos distribuidores – com os quais os laboratórios jamais mantiveram qualquer relação comercial – passaram a participar das licitações de medicamentos  que nunca adquiriram (pelo menos não dos laboratórios).

Embora possa parecer, num primeiro momento, algo positivo para reduzir preços, a verdade é que nessas circunstâncias o barato acaba saindo mais caro. Além de colocar em risco a qualidade do produto – todos os controles de qualidade de estocagem e transporte se perdem – essa prática acaba bagunçando o cumprimento do contrato e, portanto, o fornecimento. Atrasos de entrega e inadimplementos contratuais são ainda mais expressivos nessas circunstâncias e, na ocasião de uma rara suspensão, o aventureiro sempre tem uma segunda empresa – em geral ME/EPP – para continuar agindo de modo irresponsável.

Embora a exigência do credenciamento pudesse parecer, apenas num primeiro momento, incompatível com a Lei n.8.666/93, ela não é incompatível com o ordenamento tomado em seu conjunto. A compreensão da particularidade desse mercado (e de suas normas) e, ainda, uma integração mais clara com as normas brasileiras de defesa da concorrência teriam boas condições de prevenir abusos e fraudes, sem colocar em risco as necessidades específicas de regulação desse setor. Assim, compreender as normas regulatórias desse mercado num contexto mais amplo (para além da Lei n.8.666/93) poupará a Administração Pública de muitos problemas no fornecimento de medicamentos que, hoje, parecem sem solução.

(Colaborou Dr. Saulo Alle, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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