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Exigência de Carta do Fabricante para Participação em Licitações

Alguns editais exigem do licitante (geralmente revendores, representantes ou distribuidores) a apresentação de “autorização do fabricante para comercializar o produto”; ou “carta de solidariedade do fabricante”.

 

 

Quando o objeto da licitação referir-se, exclusivamente, ao fornecimento dos bens, tornando possível a relação entre fornecedor (Contratada) e consumidor (Contratante), sem necessidade da intervenção do fabricante do produto, entendo que a exigência da “carta do fabricante” é ilegal.

É patente a ilegalidade e acintoso ao princípio da Isonomia, obrigar apenas empresas detentoras da “autorização do fabricante” a participarem da licitação. A exigência em tela fere de açoite a Lei Federal nº 8.666/93, pois ultrapassa os parâmetros do regramento legal previsto no artigo 30, em que obriga a Administração a se limitar em exigir somente o que está previsto em lei.

Mas o que está previsto em lei?

Apenas a comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível com o objeto da licitação, ou seja, fornecimento de bens.

Não há motivo e nem justificativa cabível para exigir-se do licitante a autorização do fabricante do produto, pois a Lei de Defesa do Consumidor estabelece responsabilidade solidária ao fornecedor ou fabricante para a garantia do produto ou serviço, conforme Lei Federal 8.078, de 11 de setembro de 1990, in verbis:

“Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.
§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores. (grifo nosso)

E ainda, o artigo 24 vincula o fornecedor a prestar a garantia, independentemente da relação existente com o fabricante:

“Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.”

Portanto, não há razão para exigir, da empresa interessada em participar do certame, a “autorização do fabricante”, mesmo porque, o instrumento convocatório deverá fixar o prazo de garantia e as condições rigorosas que a Contratada deverá cumprir sem a intervenção do fabricante e sem qualquer isenção ou privilégio.

Persistindo a obrigatoriedade da apresentação da “autorização do fabricante”, poderá ser propiciada a formação de um “grupo” exclusivo de empresas autorizadas por um determinado fabricante a participar de licitações, podendo inclusive, controlar o aumento abusivo de preços e insumos. É o chamado “cartel”, severamente vedado pela Constituição Federal, no artigo 173, § 4º, in literis:

“§ 4º – A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

A exigência em tela, além de restringir o número de participantes, pode proporcionar às empresas mal intencionadas “discriminar preços de bens ou de prestação de serviços por ajustes ou acordo de grupo econômico, com o fim de estabelecer monopólio, ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência” (Lei 8.173/90, “DOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA E AS RELAÇÕE DE CONSUMO”, artigo 4º, inciso III).

Portanto, exigir a “autorização do fabricante” é exigência demasiada que restringe o universo de competidores e afasta o caráter competitivo do certame, desferindo golpe fatal ao princípio da Isonomia, amparado pela Constituição Federal, artigo 37, inciso XXI:

“XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, ¬serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que -estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de -qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (grifo nosso)

Também resguarda o princípio da Isonomia o artigo 3º, caput, da Lei Federal nº 8.666/93, in verbis:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia ….” (grifo nosso)

Por fim, cumpre mencionar o citado diploma federal que veda à Administração permitir a frustração ao caráter competitivo do certame:

“Artigo 3º – …
§ 1º É vedado aos agentes públicos:
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo …;” (grifo nosso)

 

(Colaborou: Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos).

 

Publicado em 07 de outubro de 2011
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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